'SP terá maior política pública LGBT da América do Sul', promete gestor

Titular da Coordenação de Políticas LGBT, Alessandro Melchior fala de realizações, aponta ampliação de iniciativas e responde a críticas

Publicado em 03/03/2016
alessandro melchior são paulo
Melchior em visita aos EUA: lá, sociedade civil forte. Aqui, Estado em ação

Por Welton Trindade 

Vitrine: o titular da Coordenação de Políticas LGBT, da Prefeitura de São Paulo, Alessandro Melchior, completa dois anos à frente do órgão com série de ações e orçamento reforçado, o que tem feito da cidade exemplo nacional e internacional de inclusão e defesa da cidadania arco-íris. A promessa é, até o fim do ano, quando se encerra a atual gestão do prefeito Fernando Haddad (PT), elevar a n potência o que já é tido como algo pouco visto nas Américas. 

Vidraça: o caminho coleciona críticas de parte da sociedade civil LGBT, principalmente da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBT), e até processo administrativo que responsabiliza a coordenação por erro nos trâmites de contratação de empresa organizadora do evento. 

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Para os dois pontos, de forma incisiva, Melchior tem respostas, explanações, e mostra-se decidido em continuar a defender seu trabalho e o compromisso da gestão petista com a cidadania LGBT, algo que só é feito por quem, definitivamente, não pode ser de vidro. 

No início do ano, você fez viagem aos EUA a convite do governo americano tanto para apresentar o que é feito para LGBT na prefeitura quanto para conhecer o que lá é realizado.Nesse intercâmbio, o que você destaca de aprendizado?
Primeiro, valorizar muito o que a gente está fazendo aqui no Brasil em política pública. Nos EUA, a máxima do Estado mínimo é realizada ao pé da letra. Lá não há política pública LGBT porque você não tem política pública de maneira geral. Não há SUS, não há educação superior pública, não há creche pública... 

Eu consegui conhecer uma série de estruturas bacanas, tais como centros de referência LGBT com auditório, ginásio... As prefeituras doaram o terreno, houve campanha de arrecadação de fundos e ONGs construíram e agora gerenciam esses serviços. Você não tem serviço de responsabilidade do Estado. 

Um exemplo: em Chicago conheci um centro de apoio a saúde de LGBT. E por que ele é importante? Porque no país você não tem saúde pública. Uma consulta para ver se você tem herpes custa 200 dólares! E se você for à farmácia, não há medicamento genérico. Por tudo isso, a sociedade civil é extremamente organizada e politizada e mais: as empresas colaboram, inclusive com as paradas. Algo que não existe no Brasil, onde a relação é de maternidade com o Estado.

E vi lá também uma sociedade extremamente evoluída em relação aos sistemas. Não há políticas públicas, mas há ação legislativa. Do ponto de vista legal, de reconhecimento de liberdades são muito avançados. Los Angeles possui 15 vereadores e dois são gays. 

No bairro gay de Chicago, Boystown, são 15 quadras com locais gays, algo gigantesco. E o centro de referência LGBT é um sobrado que pega quase um quarteirão. O nosso centro de referência Arouche, o maior do Brasil, pega um piso de um prédio. E gastamos R$ 1 millhão por ano com manutenção. Lá, o governo só doa o prédio. 

Falemos então de questões locais... No ano passado, na coletiva de imprensa da 19ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, o prefeito Fernando Haddad afirmou que faria reunião, na semana seguinte até se fosse o caso, com a coordenação do evento. A associação da parada alega que até hoje, quase um ano depois, ainda não aconteceu essa reunião. Falta diálogo nessa gestão?
O prefeito disse [na ocasião] que não havia ausência de diálogo e continua não existindo. Ele já teve reuniões com a associação da parada [APOGLBT], eles já foram recebidos duas vezes pelo Secretário Municipal de Direitos Humanos... Agora, o diálogo que a APOGLBT inicialmente apresentava no ano passado, eu não sei se ela pretende fazer o mesmo em 2016, era no sentido de que a prefeitura continue pagando absolutamente tudo da estrutura dos eventos do mês da diversidade, organizados e explorados comercialmente pela APOGLBT.

E isso é uma questão objetiva já que o direcionamento da política LGBT da Prefeitura de São Paulo, hoje, é o investimento em política pública de atendimento à população LGBT em situação de vulnerabilidade e não o financiamento de eventos com apropriação comercial por uma ou outra associação.

E há o ponto de que a gente, por exemplo, não investiu na Feira Cultural LGBT no ano passado. Mas o investimento da Prefeitura na parada é o maior investimento de instituição pública no Brasil em mês do orgulho LGBT. E o Governo do Estado, no ano passado, pagou a feira, mas até então não pagava absolutamente nada.

Então, os eventos aconteceram, sem nenhum prejuízo e um órgão que não contribuía com o evento, que só pagava o trio elétrico em que subia, que era o caso do Governo do Estado, começou a pagar a Feira Cultural.

Portanto, não tem problema de falta de diálogo. Ele acontece, a gente já recebeu a APOGLBT, estamos encaminhando, inclusive, todos os trâmites relacionados à parada deste ano. Agora, entraram outros elementos no assunto da Parada do Orgulho LGBT... Inclusive eu vou lançar auditoria em relação a coisas que a própria Prefeitura começou a levantar. Então, é óbvio que um diálogo do prefeito e um diálogo da secretaria são condicionados pelo contexto, algo que a gente já tem discutido com a associação.

parada lgbt gay são paulo
Parada pode ter apoio financeiro maior da prefeitura 

E o que já está definido como apoio da prefeitura à parada este ano?
Em 4 de março, a gente encerra o processo de cotação e abre a licitação da estrutura de toda a logística de segurança e do show de encerramento, da parada e da Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais, ou seja, com três meses de antecedência [a 20ª edição do evento será realizada em 29 de maio]. 

A Feira Cultural LGBT continua fora do nosso orçamento, o qual, inclusive, foi aprovado pela Câmara Municipal. A APOGLBT não acompanhou a tramitação do orçamento na Câmara, não apresentou demanda de ampliação do orçamento. A verba, hoje, para os eventos do mês do orgulho é a mesma do ano passado, R$ 1,4 milhão.

Este é o nosso orçamento para este ano, inclusive com possibilidade de ampliação de custos, já que órgãos públicos que atuam na parada solicitaram reforço de algumas estruturas de segurança. Então, é possível que tenha um aumento do investimento da Prefeitura, mas estritamente relacionado às questões de segurança.

Sobre a parada do ano passado, existe um inquérito administrativo instaurado em que você está sendo investigado em relação à contratação da SP Eventos. São colocadas falta de planejamento da coordenação, inexistência de contrato, restrição à competitividade. Como você responde a isso?
Existe aí erro na formulação da pergunta! Que fique claro que o inquérito foi aberto pela própria Prefeitura. Esta é a mesma empresa [SP Eventos] que vem sendo contratada por um modelo de edital estabelecido em 2005, 2006, que, segundo o entendimento da Corregedoria do Município, dificulta a competitividade. Esse edital vem sendo reproduzido desde 2005, 2006. E a SP Eventos é a empresa que ganha os editais da parada desde então. O único ano que ela não ganhou o edital da parada foi 2014, na nossa gestão. E estamos investigando contratos desde 2010. 

Em especial a este contrato [de 2015], há um conjunto de elementos apontados pela corregedoria. Dentre os quais está identificado que a empresa subcontratou um número menor, por exemplo, de produtos do que a Prefeitura tinha encomendado. Isso é um problema objetivo da empresa.

O problema da inexistência de contrato é um problema de interpretação. Por quê? Porque a nota de empenho, segundo a legislação administrativa - não dá para ter interpretação em relação a isso - vale como contrato, ela tem esse efeito. Não há contrato formal porque a legislação possibilita ao gestor utilizar nota de empenho como tal.

Em relação à coordenação diretamente...
A coordenação não é responsável pela gestão e fiscalização de contratos ou pela elaboração de editais de concorrência. Ela é responsável pela política pública. Como responsáveis pela política pública, é nossa responsabilidade solicitar a contratação de serviço para atender a demanda. No caso da parada, há um ponto único relacionado à nossa coordenação, dentre os nove elementos levantados pela corregedoria: falta de planejamento em relação à abertura do processo.

Um dos questionamentos é que a contratação emergencial foi feita porque, segundo entendimento da corregedoria, não houve tempo hábil para realização da licitação. Acontece que a parada é regulamentada por um Plano de Ajustamento de Conduta (PAC). Eu só posso iniciar um processo da parada depois que ela concluir o PAC anterior.

O PAC de 2014 previa uma série de contrapartidas da associação. A entidade entregou comprovante de oficinas em 27 de abril e em 29 de abril o processo estava em tramitação. Então, nós iniciamos o processo imediatamente após a entrega da comprovação da conclusão do PAC.

E o outro elemento é: você só abre processo para onerar despesa quando você tem garantia de que há recurso. Quando a gente abriu o processo em 2015, a gente ainda não tinha recurso liberado para a realização da parada, estava congelado. Então, nós não podíamos abrir um processo administrativo porque o elemento inicial para tal é pedir reserva do recurso e a coordenação não tinha verba para poder separar. 

unidade móvel lgbt são paulo
Gestão promete 5 unidades móveis e 5 centros LGBT

E a questão de diálogo com a sociedade civil LGBT? Há até denúncia formal de não haver boa relação, tendo como exemplo a demora na instalação do Conselho Municipal LGBT.
Houve uma denúncia apresentada por quatro atores que foram a um promotor do Ministério Público, que recebe até papagaio. Se você procurar o ministério para apresentar denúncia, qualquer pessoa pode procurá-lo para apresentar denúncia. Até hoje esse promotor que recebeu a denúncia deles não se pronunciou, não procurou a coordenação. 

As figuras que apresentaram esta reclamação, uma delas era ex-assessor da Coordenação de Políticas LGBT da gestão anterior; o outro foi funcionário nosso por meio de uma empresa terceirizado e que foi demitido depois de um mês e meio por ela; a outra figura é um conselheiro filiado a um partido de oposição com histórico de oposição não só à gestão Haddad, mas ao PT também, que tinha apresentado um projeto no final de 2013 à Coordenação de Políticas LGBT para ser financiado e que a gente engavetou porque a nossa prioridade não é financiamento de eventos, mas sim de políticas públicas; e a APOGLBT, com a qual a gente tem alguns desgastes desde 2014, por conta, inclusive, do nosso objetivo de não priorizar eventos.

Em relação ao conselho, ele tem 10 secretarias municipais. As secretarias enviaram as indicações no final de janeiro, só que há problema de morosidade da máquina administrativa. Há outros, inclusive, conselhos municipais na mesma situação. Como o conselho é paritário, você não consegue dar posse à metade do conselho, tem de dar posse ao conselho inteiro.

Agora, nós nunca deixamos de receber, nem a coordenação nem a secretaria qualquer ativista da sociedade civil. Qualquer ativista ou organização que quis conversar com a coordenação ou com a secretaria foi recebido. O que há é uma questão de parcialidade de interesses e objetivos em relação a algumas pessoas que fazem determinadas críticas, que eram pessoas beneficiadas pela política LGBT da cidade de São Paulo antes, que só financiava evento, prêmio, festa e show, e que não são mais beneficiadas por isso. Aí as pessoas obviamente vão reclamar dessa mudança. 

O que esperar da Coordenação de Políticas para LGBT até o fim desta gestão, no final do ano?
A gente tem para este mês a inauguração do Centro de Acolhida para Mulheres Travestis e Transexuais. A casa está pronta, no Bom Retiro. Serão inicialmente 30 leitos, terá até ginásio de esportes. Vai ser a primeira do gênero do Brasil. O Centro de Cidadania LGBT da Zona Sul, que devemos inaugurar na semana de 14 a 18 de março vai ser o maior centro de referência LGBT do País, com mais de 500 metros quadrados. 

Há ainda o funcionamento de cinco centros de referência até o fim do ano, e haverá mais quatro unidades movéis, cinco com a atual. Terminando 2016 com tudo isso, nós vamos estruturar a principal política LGBT da América do Sul. Nenhuma cidade, nenhum Estado, nenhum país terá feito tanto. 

Há possibilidade forte de Haddad candidatar-se à reeleição. Como prefeito ele não teve medo de falar em prol de LGBT. O que você prevê da parte dele na campanha neste sentido?
Penso que o tema LGBT possa ser colocado na campanha como um todo, especialmente porque há uma grande desinformação e os integrantes da política do submundo, pessoas conservadoras, ligadas a igrejas neopentecostais podem usar isso para fazer ataques, o que aconteceu em 2012. E a postura do Haddad não será diferente, pelo contrário, será até mais avançada do que antes.

Já há quatro anos ele deixou claro que não iríamos discutir política com o submundo. E fez uma gestão que é a melhor em política LGBT de uma cidade da história do Brasil. Veja, nenhum prefeito foi a tantos eventos LGBT como o nosso, nenhum investiu tanto em política LGBT, talvez só tenha uma ou outra área na prefeitura que, mesmo em crise econômica, teve execução de mais 100% como a da nossa coordenação. Nada de corte, foi o contrário, tivemos aumento de 130% em recursos. Nenhum lugar do Brasil teve aumento em política social desse jeito. Você só vê corte por aí!

Assim, se ele não tivesse sinalizando um compromisso ainda maior com essa agenda, ele não teria feita todas essas ações. O que podemos esperar é um candidato ainda mais progressista nesse sentido do que foi já em 2012. 


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