Ao fim da seguinte entrevista, sobre barebacking, é possível que você esteja despido... Não, necessariamente, da camisinha. Mas de algumas idéias que relacionam o sexo sem proteção como algo típico de homossexuais.
Quem coloca esse pensamento desnudador é o psicólogo e doutorando em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina Paulo Sergio Rodrigues de Paula, que vive atualmente em Paris, onde faz estágio na Université de Reims Champagne-Ardenne.
Autor do livro Barebacking sex: a roleta russa da AIDS? Sexualidade, sexo e risco na mídia impressa e na Internet (2010, Editora Multifoco), Paulo critica empresários gays brasileiros que não distribuem camisinha e gel lubrificante para os clientes, contrapõe quem alia a prática apenas a gays (héteros também fazem), e não crê no aumento de sexo sem camisinha, mas sim no “outing” de seus adeptos.
Qual a origem do barebacking como movimento?
A primeira vez que o termo barebacking apareceu como definição de prática sexual anal sem uso do preservativo foi em 1997, na revista norte-americana direcionada a soropositivos POZ Magazine. Foi em um artigo do militante Stephen Gerdin intitulado “My Turn: Riding Bareback”, no qual narrava a emoção de praticar sexo anal sem preservativo com homens soropositivos.
Como movimento político, o barebacking sex foi criado na mesma época, também nos EUA, no final dos anos 1990, por militantes gays como uma tentativa de pressionar a liberação de verbas para pesquisas de cura da aids. Porém, este movimento não prosperou, talvez devido às inúmeras críticas que tenha recebido, dentre elas, a de que tal prática contribuía para a publicidade negativa da comunidade homossexual.
Você acha errado denominar o sexo desprotegido, mas sem cunho político de contestação de barebacking?
Atualmente existem várias definições para barebacking sex. De modo geral, o barebacking sex tem sido caracterizado por práticas sexuais sem o uso do preservativo entre homens gays, o que eu penso ser um grande equívoco. Afinal, os heterossexuais também fazem sexo sem preservativo.
Eu considero como barebacking sex o envolvimento deliberado, voluntário e consciente em práticas sexuais sem o uso do preservativo entre parceiros desconhecidos e sem nenhum tipo de vínculo afetivo, independente da orientação sexual dos envolvidos.
Manter este termo exclusivamente para sujeitos homossexuais, ou seja, homossexualizar a prática barebacking é uma forma de manter os homossexuais como pessoas anormais, portadores de distúrbios neuropsicológicos/psiquiátricos ou criminalizadores, que acabam contribuindo para a manutenção de estigmas que há séculos acompanham os indivíduos homossexuais, com críticas moralizantes e patologizadoras.
Na sua percepção, o que mais tem levado os gays e bissexuais a fazerem sexo sem proteção?
É fato que a taxa de incidência para a população de HSH (Homens que fazem sexo com homens) permanece em torno de 11 vezes maior à da população em geral. Entretanto, eu não concordo que gays e bissexuais façam muito mais sexo sem proteção que os heterossexuais, caso contrário não teríamos um aumento de casos de infecção entre as mulheres.
O que acontece atualmente é que homens gays falam mais abertamente sobre a prática do sexo sem preservativo. Por causa da pressão social e de ativistas, isso não acontecia na década de 1980.
Naquela época, quando interpelados em pesquisas sobre suas praticas sexuais, os gays se representavam e respondiam como praticantes de sexo seguro em 100% das relações, o que não acontece atualmente. Hoje, as pessoas se sentem mais à vontade com esta problemática e suas respostas são mais sinceras, correspondendo mais à realidade atual.
Como contrapor o hedonismo tão cultivado dentre o meio gay? Acho importante destacar que este hedonismo visto atualmente como uma busca pelos prazeres momentâneos surgiu apenas no Iluminismo e difere muito da concepção filosófica grega original em que o prazer era considerado o supremo bem da vida humana.
Penso que este hedonismo contemporâneo é tão praticado por gays como por não gays e mais uma vez, para mim, não é uma questão de orientação sexual, mas, sim, da forma como estamos olhando para as práticas sexuais de diferentes grupos. É muito comum escutarmos que gays são promíscuos etc. Se fizermos as contas, veremos o quão grande é a diferença entre o número de locais de sociabilidade sexuais homossexuais se comparado aos similares heterossexuais.
Sendo mais claro, qual a proporção de prostíbulos heterossexuais existentes para cada sauna gay e/ou afins? Não quero ser simplório, trata-se de apenas um exemplo, pois sei que a questão é muito mais complexa, mas, resumindo, ou todos são hedonistas ou ninguém o é.