Entra-se homem para lá ser mulher: conheça a festa Rainha Cross

Evento paulistano é feito para cross-dressers femininas e permite realização de sonhos

Publicado em 23/04/2016
rainha cross crossdressers
No camarim do evento, as cross-dressers se maqueiam e se vestem para viver personalidade feminina

A fala é de um funcionário público, de 45 anos, hétero. "Eu comprava as calcinhas mais ousadas, mais de puta possível para minha esposa. Mas, na verdade, eu queria era usá-las." Melhor especificando: a  fala não é dele em si, mas de sua outra persona, Izabelly Saints, a mulher elegante, simpática e muito vaidosa que surge quando aquele homem dá espaço para a feminilidade que o domina.

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A revelação, feita de forma bem descontraída, foi feita logo no início de mais uma noite da festa paulistana Noite Rainha Cross, no Bar Queen, região do Largo do Arouche-Avenida Vieira de Carvalho, a mais tradicional área LGBT da cidade. 

O evento é um dos poucos em todo o Brasil dedicado especificamente a cross-dressers femininas, ou seja, homens biológica e socialmente que se realizam ao assumir sua identidade feminina por algumas horas, mas nunca permanentemente (quem assim faz são travestis e transexuais).

A responsável é Lizz Camargo, identidade feminina de Jaime Braz Tarallo, 58 anos. O sobrenome não é um detalhe. Lizz tem orgulho de ser sósia da apresentadora Hebe Camargo. A peruca, as joias e o sorriso permanente... Impossível mesmo não se lembrar da eterna estrela da TV. 

"De forma geral, as cross-dressers viviam e algumas ainda vivem de forma isolada, no mundo virtual. Não conhecem outras. Criei a festa justamente para mudar isso", explica. Nos cinco anos do evento, o brilho das "CDs" só aumentou. E elas também. "Foram nove na primeira Rainha Cross. De lá para cá já houve noite com 80."

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Há disponibilidade de perucas para clientes

Um dos principais diferenciais do evento é um camarim dedicado a justamente fazer a transformação das cross-dressers. Resumidamente: um homem entra na bar e, lá dentro, tem um arsenal de maquiagem, peruca e demais cuidados estéticos e uma equipe da própria festa para fazer surgir a mulher até então "aprisionada" por gravatas, calças sociais e cabelos sem nenhum laquê. Fotos só de quem permitir. 

E essas gatas não são apenas "pardas", da noite. Tarallo, que é gay, também está à frente de estúdio que funciona durante a semana. Há maquiadora, cabeleireira, manicure e muitos vestidos e sapatos. Todos aí estão unidos por um objetivo: por seis horas possibilitar ao/à cliente vivenciar sua personalidade feminina. 

E há rímel borrado. "É comum a pessoa chorar de tanta alegria, emoção, ao se ver totalmente como mulher. Realizar esse sonho, definitivamente, é algo incrível. Por saber disso e por propiciar essa realização, eu não seguro e também choro." 

Tudo é feito conforme o/a cliente solicita. "Há quem deseja só ficar no estúdio mesmo, tomando um chá, conversando, sendo a mulher que tanto deseja. E há também quem pede para irmos ao shopping passear, sair para jantar, almoçar. Viver a feminilidade em público também, claro, é algo muito importante para boa parte de nós." O serviço custa R$ 450.

A primeira calcinha
Enquanto a festa começa a encher, Izabelly Saints fala mais de sua vivência. "Lembro até hoje da minha primeira calcinha. Eu tinha 12 anos. Era azul. Nunca vou esquecer, comprei nas Lojas Americanas, no Rio." 

A primeira, em pouco tempo, ganhou companhia de mais umas 15, conta. E quanto mais calcinhas, maior o temor de alguém descobrir. E fica a dica para o caso das suas acabarem na sala levadas por um cachorro atrevido, como aconteceu com ela. 

"De repente, o meu cão apareceu com as calcinhas na boca. E meu paí vendo aquilo. Só que fui rápido: disse que eu fazia coleção de calcinha das meninas com quem eu transava. Meu pai acreditou", diz em meio a gargalhadas. 

Por um tempo, ao se casar, ele evitou dar vazão a sua persona feminina. "Mas não adianta. Está lá. Um dia isso explode." E explodiu. Hoje, só de calcinhas ele/a tem mais de 2.500. "Só de vermelha, posso usar uma a cada dia por três meses." Boa parte delas, quem comprou? "MInha esposa atual. Ela tem muito bom gosto." 

Outra testemunha de que a primeira calcinha ninguém esquece é Vanessa Souza, 35 anos, dono/a de uma grande empresa de transportes. "Meu primeiro emprego foi como office-boy. Foi receber o salário e comprar uma calcinha."

Bissexual, Vanessa, orgulhosa de sua coleção de 20 perucas femininas, já foi casado com mulher. Separaram-se. Pouco tempo depois, a ex descobriu a dupla identidade do ex-marido. Hoje, eles namoram e é comum os dois, de calcinha e roupas femininas, transarem. 

O nome Vanessa tem duas origens. "Gosto desse nome desde quando eu tinha seis anos. E era o nome que queria colocar na minha filha." Fervida, Vanessa vai a boates, tais como Bubu Lounge e The Week, caracterizada como mulher. Sobre homens darem em cima dela, um ressalva. "Não me visto de mulher para seduzir homem. Visto para me realizar."

Grande parceira de Tarralo é a maquiadora Luciana Marques, mulher cisgênero e que atua tanto na festa quanto no estúdio. Dentre muitas histórias, conta que é comum esposas ligarem para ela para marcar horário para os maridos se vestirem de mulher. E até saem as três juntas para um café ou botar o papo em dia. 

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Lizz Camargo, idealizadora da festa: "Realizar o sonho de ser mulher é algo incrível"

Agora, com o bar lotado nos dois andares, Lizz Camargo apresenta shows de dublagem, boa parte deles protagonizados pelas próprias cross-dressers. "Aqui as grandes rainhas são vocês. Estamos aqui, fazemos essa festa para vocês brilharem", diz de forma carinhosa no microfone. 

Em uma das mesas, uma mulher passa a mão pelas pernas ornadas por meia-calça de outra figura feminina, uma gigante de mais de dois metros. "Meu esposo", explica. "Na rua, machão, de botar medo. Macho até demais, credo! Mas, em casa, é essa mulher deliciosa e é minha escrava sexual. Que mulher! Nossa!"

Melhor parar de perguntas e deixar o casal se curtir. Pelo visto, a noite delas será quente e está só começando! 


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