Welton Trindade
Tem a Soninha VJ. A Soninha do PPS. A Soninha defensora da descriminalização da maconha. A Soninha ex-candidata a prefeita. E, agora, a Soninha coordenadora de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo.
Dentre tantas versões, na seguinte entrevista ao Guia Gay São Paulo, ela pareceu ser simplesmente a Soninha Francine que tem fala direta e enfrenta (e cria), sem piscar, polêmicas.
Criticada por ser hétero e liderar um órgão LGBT, ela se apoia na vontade de fazer; sobre o movimento LGBT, ela lamenta a partidarização e a busca por representações; perguntada a respeito da antecessora, elogios infinitos; sobre a ação pró-LGBT de Fernando Haddad, reservas mais infinitas ainda. Gestão e paixão vão rimar ainda mais pelo jeito!
De que forma começou sua aproximação com a questão LGBT?
Começou quando eu era pequena, na minha casa. Minha mãe não deixava a gente fazer qualquer comentário torto. E mesmo com as limitações dela, que não tem a mesma facilidade para entender travesti, sabe? Mas, homossexualidade sempre foi ponto pacífico! Daí, naturalmente, na vida, no trabalho, na televisão.
Televisão, para mim, sempre foi um emprego bom porque dá para fazer a defesa das coisas que eu acredito. Se fosse um emprego que não tivesse nada a ver, nenhuma liberdade para eu fazer minhas campanhas, meu ativismo, eu não teria gostado de trabalhar em televisão como eu gostei. E uma das "brigas" de quando eu trabalhava na MTV, era a questão, na época, GLS, tanto quanto meio ambiente, desigualdade e igualdade. E quando eu tive mais visibilidade nisso foi quando apresentei o Barraco MTV.
Como você recebeu o convite para assumir a coordenação? Ele veio por você ser do PPS?
O fato de eu ser do PPS podia até atrapalhar, porque não é cota do PPS, não é acordo do PPS. Foi a Soninha que foi convidada. E isso é ótimo justamente para não gerar ruído com outros partidos. O que me contaram foi que quando sugeriram meu nome a reação foi "Ótimo, ela é militante, ela é atrevida, mas também concilidadora, articuladora".
Como você avalia o trabalho feito até aqui pela Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual?
É a primeira vez que eu vou atuar num lugar em que já faziam um trabalho bom. Eu entrei na Subprefeitura da Lapa... Era uma zona, uma tragédia, um Everest de problemas. A Superitendência do Trabalho Artesanal das Comunidades (Sutaco), meu último emprego público, possuía um puta potencial e estava à mingua. Na coordenação, cartilhas, cartazes, os materiais são super bem feitos.E você os vê no metrô, onde tem que estar mesmo.
E quando cheguei lá descobri coisas que eu não sabia. Exemplo: há um comitê intersecretarial com as secretarias da Educação, do Desenvolvimento Social, do Trabalho, da Saúde. E ainda há o grupo de trabalho de Segurança Pública. Maravilhoso, importantíssimo e super eficaz.
Claro que daí a você não ter nenhum caso de violência policial, isso já é um passo adiante. Mas ja há coisas muito boas acontencendo. No mais, há atitudes concretas, tais como a discussão já bastante adiantada sobre o nome social no RG. Outra coisa que está bem avançada é você fazer constar no boletim de ocorrência se a vítima acha que teve motivação homolesbotransfóbica na agressão que ela sofreu. Isso é bom para dados estatisticos, porque uma das coisas que predjudica as políticas públicas é a falta de dados.
Como você vê a atuação da coordenação no interior do Estado?
Eu pensei até que a coordenação fizesse menos do que ela faz. Ela realiza muita articulação sob demanda. ONGs do interior do Estado procuram muito a coordenadoria para atuação conjunta, conversar com os prefeitos... Quero fazer mais coisas ainda com o interior.
O caso Verônica Bolina marcou o fim da gestão da Heloísa Alves. O que acha das acusações de que sua antecessora forjou um depoimento de Bolina para evitar a acusação de tortura policial?
Eu não fui lá, não visitei a Verônica, tudo que eu sei é que a Heloísa jamais planejaria uma situação para isentar a polícia de suas responsabilidades. Pelo que conheço dela, é uma pessoa honesta. Eu não sei o contexto em que aconteceu, mas a Heloísa jamais participaria de um teatro para colher uma declaração sobre coação para livrar três ou quatro ou 10 policiais. Eu não sei o que ela fez, mas o que ela não faria é submeter a Verônica numa coação com agentes da polícia militar para... Jamais!
O que aconteceu? A Verônica sofreu uma violência brutal sob a guarda do Estado. Se foram os policiais que bateram nela, gravíssimo. Se ela tomou um pau na cela, gravíssimo do mesmo jeito porque ela estava sob a tutela do Estado e ela foi espancada. Vou acompanhar, lógico. Agora, tem coisas nessa briga que nada tem a ver com a busca pela verdade. Você ouvir a mãe da Verônica dizendo que 'minha filha é um doce', isso não ajuda nada.
Qual vai ser o maior desafio como coordenadora?
O desafio é promover o respeito geral. A compreensão e a tolerância de um grupo em relação ao outro. No mais, a gente gasta um tempo enorme lidando com disputas, com atividades estéreis. Por exemplo, a conferência dá um trabalho enorme, consome muito esforço, recursos financeiros de monta porque são vários dias de conferência, fora as etapas regionais, e as pessoas têm de ter condições de vir para cá, tem de ter onde ficar, alimentação, tem de ter uma infraestrutura de um evento, tipo uma convenção mesmo. A gente espera fazer no começo de março.
E você tem um desafio enorme para montar uma conferência e você não vai discutir, durante a conferência, de verdade, o que fazemos para gerar emprego e aumentar a escolaridade das "Ts". Não é isso que vai ser discutido. O povo vai se matar para eleger delegado para a nacional, entendeu? Na conferência, o debate é quem faz mais, quem faz menos. Nunca participei de uma conferência que não fosse assim... Meio ambiente, esporte. E quando chega na hora de discutir, no grupo de trabalho, ninguém fica, ninguém está interessado.
Qual a importância de ter a Coordenação na Casa Civil?
É prático. Porque agora quando a Coordenação fala com outra secretaria em vez de falar com o superior, o secretário, agora a relação é mais direta.
Como pretende fazer a articulação com a sociedade civil?
Eu sou super escutativa (sic). É uma marca para minha vida. Faço questão de saber o que os outros realmente pensam, realmente querem, realmente fazem. A coordenadoria do município de São Paulo tem péssimo diálogo com a coordenação estadual. Com a gestão anterior, do Julian Rodrigues, tinha diálogo. Hoje, com o Alessandro Melchior, não tem parceria. Então, eu vou lá, vou pedir uma reunião, vou ouvir, vou receber qualquer um que queira falar comigo, e se não quiserem, não pedirem para falar comigo, eu vou pedir. Uma amiga minha dizia que a relação público-público é a mais difícil que tem.
Então, seja sociedade civil ou órgãos públicos, a minha postura é ouvir e se ninguém me procurar para ouvir eu vou lá querer saber quem quer falar comigo. Essa interlocução com o PT é super complicada. A leitura deles é que o que é estadual é PSDB. A Prefeitura deveria fazer um esforço muito grande para divulgar a lei da homofobia, que é estadual, mas aí é a "lei do PSDB", o que é sem cabimento, até porque é de autoria de um deputado do PT. É difícil, há resistência, até provavelmente vão dizer que a resistência é nossa...
Como você avalia a gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) na questão LGBT?
Não sei como avaliar! De verdade! Eu não sei o que ele faz. Não está no calendário, até onde eu sei, a data da conferência municipal LGBT. Não é obrigatória, mas eu vou lá perguntar "Vocês vão fazer a conferência?". É evidente que há algumas ações, mas, a menos que eu esteja muito desinformada, acho que elas são de baixo impacto. Pode ser que eu esteja sendo injusta. Não sou nem capaz de avaliar, porque eu não conheço nada de muito significativo que tenha sido feito nesta gestão.
Veja: o Centro de Referência já tinha, o programa que eles anunciaram de capacitação de travestis também já existia! Tipo, mudou de nome e não sei se está funcionando muito bem. Todas as minhas investigações de Pronatec chegaram a respostas com resultados muito ruins. Até porque você oferecer curso técnico é muito simplório diante do que uma populaçao tão complexa assim precisa.
E como você qualifica quem critica o fato de você, uma heterossexual, estar à frente de um órgão LGBT?
Eu entendo. Apesar de ser estranho você ser discriminado em relação a quem você ama e com quem você dorme. Sei que é uma questão de ocupação de espaços. Seria estranho um branco assumir a Coordenadoria do Negro, lógico, seria, mas, ao mesmo tempo, na questão LGBT, por ser um universo com tantas letras, se você colocar uma lésbica, ela não sabe o que é ser T, ou seja, mesmo que eu fosse lésbica, iam faltar representantes para caramba.
Então, eu entendo, mas é um espaço único para se fazer politica governamental, de Estado, tem de ser alguém com afinidade e conhecimento real da causa com capacidade de compreensão política. As pessoas têm reconhecido que eu sempre fui militante e que eu sou política no sentido de fazer as coisas se transformarem.