A história de um dos casais lésbicos mais famosos das artes é o tema de Alice, Retrato de Mulher que Cozinha ao Fundo, que reestreia em São Paulo na próxima segunda-feira 6.
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A peça retrata a relação de amor entre a poetisa Gertrude Stein (1874-1946) e a cozinheira e escritora Alice B. Toklas (1877-1967), que dedicou os últimos 21 anos de sua vida à divulgação da obra de sua companheira em uma época que nem se falava em homossexualidade.
Na efervescente Paris dos anos de 1920 e 1930, Gertrude recebia aos sábados em sua casa na 27 Rue de Fleurus os escritores Ernest Hemingway, Guillaume Apollinaire e James Joyce, os pintores Pablo Picasso, Georges Braque e Henri Matisse, além de outros artistas e críticos de arte que representavam a nata intelectual europeia da época. Os quadros de todos esses artistas adornavam as paredes da residência.
Esses ilustres convidados se encontravam aos sábados na casa das duas escritoras norte-americanas, diante de uma mesa farta, para travar grandes debates sobre estética e arte, sobretudo sobre o cubismo, movimento artístico que estava em alta naquele tempo. Para ter acesso à casa e às longas conversas que se desenrolavam no ateliê anexo, bastava ao recém-chegado responder à pergunta "quem te enviou?".
Alice B. Toklas era uma figura muito importante para criar essa atmosfera de encontro da boemia. "Era Alice quem preparava a comida e entretia as esposas dos convidados para que Gertrude pudesse fruir desse mundo masculino criativo pelo qual era tão fascinada. Ela era uma sombra, mas, ao mesmo tempo, era muito importante dentro daquele núcleo artístico", comenta a atriz Nicole Cordery, que defende no palco o monólogo.
Quando começou a Segunda Guerra Mundial, em 1939, as duas, que eram judias e homossexuais, decidiram não procurar exílio nos Estados Unidos, sua terra natal. Elas se mudaram para uma casa de campo de Gertrude na França e passaram toda a guerra exiladas lá. Ao término da disputa, a poetisa, que preferiu ignorar os horrores do período até aquele momento, conseguiu uma autorização para viajar a Berlim, na Alemanha, onde tomou consciência sobre as atrocidades cometidas pelos nazistas.
Um ano após esse episódio, a poetisa desenvolve um câncer e morre em 1946. "E a Alice, que sempre achou que fosse viver a vida inteira ao lado de sua mulher fica sem nada. Tudo que pertencia à Gertrude, os quadros, o dinheiro, a casa e as ações ficou para o sobrinho dela, que era o herdeiro legal. A peça tenta falar sobre o que era essa devoção. Depois que seu objeto de luz morreu, Alice passou o resto da vida tentando fazer com que soubéssemos quem foi Gertrude Stein mesmo nos dias de hoje. Ela terminou a vida em um convento católico que abrigava pessoas indigentes", elucida Cordery.
Com uma dramaturgia fragmentada tal como a poesia de Gertrude, o monólogo passeia por diferentes tempos e espaços na vida das duas, narrados por Alice a partir de trechos de cartas, poesias e receitas culinárias. Todos esses elementos são montados e misturados pela dramaturgia de Marina Corazza como em um mosaico.
As principais referências da montagem são os livros The Alice B. Toklas Cookbook, em que Alice conta quais receitas eram servidas na casa da Rue de Fleurus e histórias fascinantes sobre a época; e A Autobiografia de Alice B. Toklas, em que Stein assume a voz de sua companheira para falar do relacionamento entre elas e a época em que elas viveram juntas.
"A autobiografia é uma brincadeira surrealista de Gertrude, pois ela fala da vida de sua esposa querendo falar da própria vida. Não é possível saber quem escreveu o quê, ou quem disse o quê. Então, escrevemos uma obra justamente sobre o 'Não tem como saber", comenta a atriz.
Dirigido por Malú Bazán, o espetáculo faz temporada gratuita todas as segundas-feiras na Biblioteca Mario de Andrade até 27 de novembro. Mais informações você tem em nossa Agenda clicando aqui.