Por Welton Trindade
"Pessoas cheias de asas!". Esse clamor/sonho de Sandra de Sá não só marcou sua poderosa apresentação na 25ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, feita virtualmente no domingo 6, como também faz a vez de boa definição do que se viu na live de mais de nove horas. Embora o voo pudesse - e devesse - ser mais alto.
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O desafio da produção não era pequeno: tentar dar alento para o público, que vive o segundo ano sem poder ir à rua para fazer a maior marcha arco-íris do mundo, tratar de tema delicado - a epidemia de HIV - e evitar os erros da edição também virtual do ano passado - como os apontados pelo Guia Gay em 2020.
A live começou já com indicações de mudanças promissoras. Na apresentação no estúdio, ao contrário do que ocorreu em 2020, estavam quatro pessoas experimentadas em vídeo e/ou debates sérios sobre a questão LGBT.
No lugar do tsunami de gírias lacrativas da edição passada, a drag queen Lorelay Fox, o jornalista Alberto Pereira Jr., e as produtoras de conteúdo Bielo Pereira e Nátaly Neri rechearam sem pedantismo a tarde e a noite de quem assistia com reflexões embasadas. Uma proeza!
E houve mais pessoas na apresentação, só que a distância. Aí, os criadores de conteúdo Jean Luca, Spartakus Santiago, Tchaka, Louie Ponto, Mandy Candy e Lucas Raniel, e a cantora Linn da Quebrada. E com a dupla Divas Depressão em outro ponto do estúdio.
Quer saber como fazer tudo fluir de forma muito natural e bem coordenada dentre 13 apresentadores durante horas em um cenário lindo? Pergunte à produtora Dia Estúdio, responsável pela execução da live.
E tudo isso com citações corretas do nome da parada (com a sigla LGBT), algo que, embora básico, foi inexistente em 2020!
De toda forma, não se pode deixar de registrar a perniciosa insistência de Lorelay em diminuir a pauta gay dentre as outras letras e a informação que ela e Nataly, num afã feminista vazio, dizerem erroneamente que mulheres cis em geral podem acessar PEP e Prep.
Essas formas de prevenção ao HIV por meio de medicamentos são reservadas a grupo vulneráveis, tais como gays, homens bi, trans femininas e profissionais do sexo.
Outro ponto alto na produção foi a ideia de fazer os números musicais em cima de simulacro de trio elétrico com telões atrás que mostravam a Avenida Paulista. A saudade da mega aglomeração nesse símbolo de São Paulo ficou um pouco menor.
Agitaram o "trio", além de Sandra de Sá, Maria Gadú, Majur, Mateus Carrilho, Pabllo Vittar, Pepita, Lia Clark e Gloria Groove.
Tanto no line-up quanto no grupo de apresentação, cuidado correto e alcançado de garantir representações de várias identidades que habitam e fazem o vale.
E é de aplaudir de pé - e de casa - a justa homenagem feita a drag queens icônicas da cidade - Salete Campari, Dindry Buck, Marcia Pantera e Silvetty Montilla. Vídeos delas foram prometidos para ficar no Youtube. A live produzirá, assim, registros históricos.
A grande quantidade de empresas que tornaram a parada possível é vitória inconteste LGBT: inserção, visibilidade e responsabilidade social.
Mas cadê o mais?
O trabalho social da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo teve certa visibilidade. A diretoria se mostrou e fez convites para o público se filiar à organização.
Talvez só tenha faltado valorizar a história da própria marcha com inserções sobre sua grande trajetória.
Esse escorregão no meio da avenida de bits e bytes lembra outro bem mais problemático.
Falar de HIV em si é algo tão sensível quanto urgente. Em tempos de pandemia do novo coronavírus e até por respeito a quem vive com vírus da aids, não seria correto tratar do assunto de forma fúnebre nem as pessoas como vítimas.
Esses dois objetivos não foram problema para a live da parada. Com dois apresentadores que vivem com HIV (Alberto e Lucas) e por meio de vídeos com ativistas e médicos especialistas na área da aids, tudo foi oferecido de forma empoderadora e educativa.
Entretanto, a opção dos responsáveis por tratar de "tudo ao mesmo tempo agora" impediu que a produção se aprofundasse - ora só - no tema!
Muita coisa foi dita sobre HIV: prevenção combinada, Prep, PEP, vivência, evolução do tratamento, problemas na assistência no Sistema Único de Saúde, vulnerabilidade social do segmento, preconceito...
Não foi a inexistência dos tópicos o problema, mas sim a pouco profundidade. Pinceladas no que mereceria demãos informativas e transformadoras.
O movimento LGBT é vasto, com muitas demandas. Tudo é importante! Famílias de pais e mães LGBT, interseccionalidade e empregabilidade trans, todos falados na live, são pontos necessários de debate, Fato!
Mas qual o motivo maior de escolher um desses sem número de assuntos urgentes e elevá-lo a tema se não for para justamente ir fundo nos seus meandros e fazer com que ao fim de tantas horas o público também tenha conteúdo proporcional a elas?
Médicos reconhecidos estavam lá, até Drauzio Varela e Rico Vasconcelos, mas apenas em vídeos com cronometragem curta.
ONGs fundamentais na luta contra a epidemia e pelos direitos de pessoas HIV+ bateram ponto, foram ouvidas, mas pouco. Constaram em vez de brilhar.
Brenda Lee, travesti que fundou nos anos 1980 casa em São Paulo para dar acolhida a pessoas com HIV, foi citada. Ela merecia mais!
Cazuza, morto por HIV, recebeu homenagem linda de Maria Gadú. Jovens que não sabem quem foi ele... Assim continuaram!
O público estava lá ao vivo. Poderia ter mandado dúvidas com especialistas respondendo-as no lugar de o pessoal de casa apenas subir hashtags.
A presidente da parada, Cláudia Garcia, abriu o evento com a denúncia de sucateamento do SUS... E ficou nisso!
Os números de infecção, estratosféricos dentre trans, gays e homens bi, foram postos tal como promoção de fritas!
Lembra do preservativo? Foi menos citado do que a quantidade de vezes que Pepita disse que subiria e desceria num p*** (com camisinha? Usando Prep, Pep? Ela se omitiu).
"HIV/Aids. Ame+, Cuide+, Viva +" foi o slogan da parada. Faltou o exemplo do Fale+.