Gay reprimido pode se tornar homofóbico? Sim, diz a psicanálise

Em artigo exclusivo, sexólogo mostra como Freud nos dá pistas para entender casos de ódio a gays

Publicado em 18/03/2018
homofobia internalizada pedro sammarco
O ódio a gays pode vir da necessidade de a pessoa sufocar seus desejos sexuais

Por Pedro Sammarco

Como entender a posição radical de algumas pessoas contra a homossexualidade? E ai incluída a existência de gays e até a conquista de direitos básicos pelo segmento! Claro, não há apenas uma resposta, mas, dentre as possibilidades, importante darmos atenção a uma de fundo psicológico. 

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Pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939) desenvolveu teoria sobre o aparelho psíquico. Ela foi apresentada em três instâncias: id, ego e superego. Grosso modo, podemos compreender estas relações pensando no cavalo, cavaleiro e o professor de equitação.

O cavalo seria o id, ou seja, a instância psíquica mais primitiva encontra-se totalmente no inconsciente. É responsável pelos instintos e impulsos mais básicos. Irracional e impulsivo, busca a satisfação mais imediata. É regido totalmente pelo princípio do prazer.

O superego seria o professor de equitação. Está localizado no pré-consciente. Ele é formado por todos os códigos morais, normas religiosas, ideais de perfeição etc.

Por fim o ego, representado pelo cavaleiro. Este faz a mediação entre os impulsos do id e as inibições do superego. Localiza-se basicamente na porção consciente do aparelho psíquico. Está em contato com a realidade.

Freud usou a seguinte metáfora para mostrar como essas três instâncias se relacionam: o ego é um cavaleiro tentando frear um cavalo selvagem (o id), seguindo as ordens do professor de equitação (superego).

Quando algo inaceitável vem do inconsciente, o sujeito pode tentar interditá-lo por meio da negação. Segundo o dicionário da língua portuguesa, a negação é "afirmar que (uma coisa) não existe ou não é verdadeira". A negação é um mecanismo de defesa do ego.

Segundo Freud, a negação é uma qualidade lógica do pensamento que só pode ter sentido no sistema pré-consciente-consciente. O sistema da negação pode ser um mecanismo psicológico positivo que nos permite recusar a realidade dolorosa, cobrindo as "feridas", e assim continuar em frente.

Ela resulta no efeito idêntico a um "amortecedor" psicológico. A verdade é dolorosa porque abre a porta das "feridas" que estão encobertas pelas mais diversas formas de racionalização e justificação e, em último caso, mentiras (Fenichel, 1998).

Um deputado do Distrito Federal, que admitiu já ter tido experiência homossexual e, hoje, atua fortemente contra os direitos LGBT, dá margem para ser exemplo desses mecanismos acima.

Caso a homofobia internalizada seja experimentada pelo político, seus mecanismos psíquicos de negação e controle são fortemente ativados. Há, portanto uma luta entre o desejo homossexual (id) e as normas sociais (superego), resultando em homofobia internalizada.

Viver uma vida prescrita por aquilo que é considerado correto pode gerar recompensas tais como a obtenção de aceitação e respeito social. Mas dificilmente tal empreitada será atingida, pois o sujeito viverá um conflito violento.

Na psiquiatria esse conflito é conhecido como orientação sexual egodistônica. Quais podem ser os ganhos desse mecanismo de defesa?

Vimos que a verdade é sempre relativa e que sua construção obedece à determinada conveniência socioeconômica e histórica. O ser humano tem a necessidade de um sistema de verdades e dogmas que o amparem ante seu sentimento de fragilidade em relação aos acontecimentos da vida e ao tamanho do universo.

O deputado e pastor em questão diz que a igreja o mostrou a verdade. Por isso, ele afirma que optou pela heterossexualidade. Desta forma, ele adota a coerência de seu grupo religioso que diz que o sexo deve acontecer somente para procriação.

Dentre seu sistema de valores construídos, chega a proclamar que os heterossexuais têm sido vitimas de preconceito na atualidade.

Todos sabem que esses grupos de religiosos, alem de misturarem religião e política, arrebanham cada vez mais fiéis. Seu alcance de poder está aumentando cada vez mais.

Portanto, defender a heterossexualidade, prescrita pela bíblia, além de ser uma forma estratégica de conquistar mais poder e simpatia de um grande número de eleitores em potencial, pode servir para defender-se de uma possível homofobia internalizada.

Evidentemente que tais conclusões sobre o pastor e deputado podem não passar de meras hipóteses, não refletindo em nada o que ocorre na realidade.

Entretanto, como posto, as ideias aqui colocadas também possuem a chance de sim, nos dar pistas, de quais razões faz de um indivíduo ser tão radical contra a sexualidade alheia: tentar anular - desesperadamente - a sua própria. 

Pedro Sammarco é psicólogo e sexólogo com mestrado em gerontologia e doutorado em Psicologia Social pela PUC-SP. É autor dos livros "Travestis Envelhecem?", de 2013, e "Homofobia Internalizada: O Preconceito do Homossexual Contra Si Mesmo", de 2017, ambos publicados pela editora Annablume.


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