Por Welton Trindade
Em um tempo delicado - quando morrem milhares ao dia por conta da Covid-19 - a Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo decidiu enfrentar tema sensível: a epidemia de HIV, o viver com o vírus da aids, políticas públicas na área. Importância gigantesca que deveria ser respondida com cuidados do mesmo tamanho. Deveria! Não tem sido!
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Antes mesmo da grande live marcada para 6 de junho, os erros da ONG ao falar do tema formam já coleção. Para um slogan empoderador - mensagem necessária para quem vive com HIV -, "Ame+, Cuide+, Viva+", a entidade lançou clipe em preto em branco com drag queen com fala solene e muitos, vários dados apenas negativos sobre o HIV.
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Avanços vividos no Brasil tais como diminuição de mortes por aids, novas tecnologias de prevenção já acessíveis no serviço público - Prep é amostra -, e melhoria gigantesca da vida de quem vive com HIV, são apenas pincelados ou ignorados mesmo.
Querer chamar a atenção para um tema tão fulcral por meio do impacto negativo seria válido apenas se ele não reforçasse estigmas: vida de quem vive com HIV é preta e branca? Sem voz? Exercida como vítima de um vírus? Não deveria ser o exato oposto?!
Como o que tem limite é município e não a sanha de vulnerabilizar segmentos já fragilizados - prática total no ativismo LGBT -, advinhe o tema do primeiro debate? Depressão!
Você pode dizer: "Tem de ser discutido sim". A resposta: com que abordagem? Com que profundidade?
É aí que mais equívocos vêm.
Realizado no sábado 17 de abril, o bate-papo on-line já errava na divulgação, ao justificar a importância de debater o tema com informações desconexas. Texto no site da entidade mostrava dados que nada têm a ver com HIV. Quem lia não entendia qual a base para a conversa!
E podia piorar! E piorou! Dos cerca de 50 minutos do primeiro capítulo - sim, isso existiu - da live, mais de 10 foram propaganda da parceira da associação ativista, o Canto Baobá Psicologia.
Em um tema sobre HIV, duas pessoas que se colocaram como soropositivas integravam a plateia. Não estavam lá para falar!
Quem esperou profissionais de psicologia com vivência no atendimento específico ao segmento, quem esperava explicações sobre o que é a depressão e como ela afeta pessoas que vivem com HIV, quem esperou formas de vencer a depressão... Ficou esperando! Não houve! Simples assim!
A mesma espera foi vivida por quem tinha expectativa de ver debate sobre como a epidemia e a depressão afetam gays e homens bissexuais em conversa com eles como protagonistas tanto em vivência pessoal como profissional.
Em um segundo capítulo - sim, isso existiu - da live, houve debate sobre mulheres e HIV. Dentro do tema? É possível ver 10, 15 minutos sem ouvir a palavra depressão, sem os tímpanos serem impactados pelo termo HIV.
E, tal como ocorreu em live do ano passado, esse foi outro exemplo de como a Associação da Parada tem "uberizado" o seu trabalho: organizar eventos, ou pelo menos, não apenas entregar para que a terceirização livre, leve e errática tome conta.
HIV, claro, é um mal. Desleixo para falar sobre o tema também é!