Nos 462 anos da cidade que não para, da terra da garoa, da selva de pedra, oras, falemos de 10 fatos e eventos que fazem de São Paulo a cidade que também é celebrada pela diversidade e pela efervescência LGBT. E aí tem muita cidadania, luta, superação de violência e exemplos de como podemos seguir para que nos próximos aniversários tenhamos mais e mais motivos para comemorar.
1. Parada do Orgulho GLBT de São Paulo
O nome tem São Paulo, mas ela é do Brasil e até do mundo! Em 2006, a 10ª edição da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, segundo a Polícia Militar, reuniu 2,5 milhões de pessoas (para os organizadores foram 3 milhões) e com isso a parada figurou no Livro Guinness de Recordes de 2007. Como a PM deixou de estimar o público na maioria das edições posteriores, o Guinness deixou de creditá-la. A parada é um dos únicos três eventos no ano que pode ocupar a almejada Avenida Paulista (os outros são o Réveillon e a Corrida de São Silvestre).
O evento de São Paulo é um dos mais bem organizados do país e o único com data certa - sempre no feriado de Corpus Christi (a união exceção foi em 2014 por causa da Copa do Mundo), além de ser a única a pautar a mídia nacional - na semana do evento, de sites a jornais, de canais abertos a fechados, todos dedicam reportagens à parada e aos direitos LGBT. A marcha também é exemplo grandioso do poder do turismo arco-íris e da força econômica do segmento. Milhares de turistas e milhões de reais reluzem na cidade na época da marcha.
2. Museu da Diversidade Sexual
Aberta em 2012, a instituição, mantida pela Secretaria Estadual de Cultura, é a terceira do gênero no mundo e única na América Latina. O espaço fica dentro da estação República do metrô, na saída para a Rua do Arouche, que dá acesso justamente à área mais gay da cidade. Pelo museu, já passaram mostras que a dialogavam com a moda e o esporte, por exemplo. E há oficinas de arte e projetos educativos.
Por meio do museu, a exposição '50 Vozes contra a Homofobia' chegou a exibir cartazes nas estações do metrô. Há projeto, anunciado pelo governado Geraldo Alckmin (PSDB), de transformar um dos únicos casarões remanescentes na Avenida Paulista na principal sede da instituição. Estamos a esperar (e a cobrar)!
3. Transcidadania
Pioneiro, o programa que envolve diversos órgãos da Prefeitura de São Paulo, acaba de completar um ano. Em 2015, 100 transexuais e travestis puderam contar com ajuda de custo mensal para continuar os estudos. O Transcidadania cadastra as participantes em diversos programas sociais, oferece cursos e presta assistências em áreas tais como jurídica e de saúde.
Ainda melhor: o prefeito Fernando Haddad (PT) anunciou na semana passada o aumento do número de vagas: este ano serão 200 participantes. E o programa está na mira de várias cidades do País como modelo a ser seguido. São as e os trans da capital paulistana exercendo seu poder. Non Ducor duco (conduzo, não sou conduzido), escrito no brasão da cidade, pouco é bobagem!
4. Ferro's Bar
Em 19 de agosto de 1983, uma revolta no Ferro's Bar - reduto lésbico na divisa entre a Bela Vista e a Consolação - foi apontada por parte dos ativistas e imprensa como o nosso Stonewall. Além de serem alvo frequente das batidas policiais do delegado José Wilson Richetti, que perseguia LGBT na época, as lésbicas tiveram a gota d'água quando o dono do local proibiu - um mês antes - que o Grupo de Ação Lésbica Feminista (Galf) vendesse ali o seu jornal.
Naquele dia, lideradas pela ativista Rosely Roth, elas invadiram o bar, com apoio da vereadora Irede Cardoso (PT) e de amigos gays, e ganharam inédita cobertura positiva da mídia na primeira manifestação contra a lesbofobia no País. O dono voltou atrás na decisão. Vinte anos após, a data deu origem ao Dia Nacional do Orgulho Lésbico. Embora depois tenha sido ratificada a data de 29 de agosto como dia a ser lembrado como tal... E isso é outra história. (Foto: Um Outro Olhar).
5. Manifestação contra delegado Richetti
Há muito tempo que o grito "vem pra rua" é atendido pelos LGBT na capital paulista! A primeira manifestação do movimento homossexual em São Paulo foi um protesto contra o delegado José Wilson Richetti (ele, de novo!), que prendia arbitrariamente prostitutas, travestis e homossexuais nas áreas mais arco-íris da cidade. O historiador James Green dá conta de mais de 1.500 prisões.
O ato, que reuniu ativistas negros, feministas e homossexuais, reuniu cerca de 1 mil pessoas em 13 de junho de 1980 em algumas da principais ruas do Centro, conforme conta Isadora Lins França no livro Parada - 10 Anos de Orgulho LGBT em SP. Os ecos são longínquos ao ponto de, como mostra a foto, ainda chamar travestis femininas por artigo masculino. De toda forma, a luta estava lá!
6. Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade
A cidade dos superlativos foi terra onde germinou um dos mais reconhecidos e grandiosos eventos culturais LGBT do planeta. Em 2015, o Mix chegou a sua 23ª edição. Maior festival LGBT do país (em 2008, ele chegou a figurar no Livro Guinness de Recordes como maior do mundo), o evento tem o cinema como carro-chefe, mas também aborda teatro, música, dança e literatura. Tal abertura ocorreu ao longo dos anos. O festival também passeia por diversas regiões do Brasil, mas é São Paulo a única cidade que recebe a edição completa e que contou com o evento em todas suas edições.
Dentre a trinca que fez a trajetória do festival estão André Fischer, Suzy Capó (já falecida) e João Federici (da esq. para direita na foto). O evento é feito sempre ao redor do feriado de 15 de novembro com duração de 10 dias. Antes disso, viagens e muita pipoca! Os responsáveis vão por festivais pelo mundo tanto para participar de júris quanto para conhecer e depois trazer à capital paulista produções de dezenas de países.
7. Jornal Lampião da Esquina
Sim, o primeiro jornal gay brasileiro de circulação nacional foi editado e impresso no Rio de Janeiro, mas o Lampião da Esquina era filho de pais de São Paulo. Como registra o livro Imprensa Gay no Brasil, de Flávia Péret, o jornal alternativo, debochado e satírico era guiado por reuniões de editores de Rio e São Paulo, que se encontravam uma vez por mês. Dentre seus responsáveis estavam João Silvério Trevisan, Aguinaldo Silva, João Antônio Mascarenhas e Jean-Claude Bernadet.
Foram 36 edições entre abril de 1978 e junho de 1981 com chamadas tais como "A doença heterossexual" e "Orgasmo vaginal", e entrevistas desbocadas com Clodovil, Fernando Gabeira e Ney Matogrosso. Sobrava até ataque à esquerda brasileira, considerada homofóbica pelos editores. Fique com a proposta: "Não fique aí parado esperando a revolução. Tenha um orgasmo agora!!!".
8. Maiores roteiros LGBT do mundo
Garçon nu, música ao vivo, ateliês para drag queens, hotel gay, grifes ousadas, karaokê na periferia, balada rock, festas, ursos em profusão... Tarefa hercúlea tentar enumerar as infinitas opções do roteiro arco-íris da cidade. O Guia Gay São Paulo lista cerca de 130 locais na cidade dentre lojas, bares, boates, cinemões, saunas e até museu. Por semana, por volta de 180 eventos!
Tais números fazem a capital paulista ser detentora de um dos cinco maiores circuitos LGBT do mundo, digno de deixar várias cidades americanas e europeias bem badaladas a uns bons passos - ou seriam palcos e pistas - atrás. E aí estão suas duas áreas LGBT: regiões da Avenida Vieira de Carvalho e Largo do Arouche, e a rua Frei Caneca. A academia é gay, a padaria é gay, o salão de beleza é gay, o shopping é gay...
9. A morte de Edson Néris
"Edson Néris, presente!." Em 6 de fevereiro de 2000, um grupo de skinheads atacou até a morte o adestrador de cães Edson Néris da Silva, em plena Praça da República, área gay da cidade. Néris estava de mãos dadas com o namorado. E, por isso, cerca de trinta integrantes da gangue neonazista Carecas do ABC os agrediram com correntes, chutes e socos.
A gratuidade e a selvageria do caso ganharam repercussão na mídia e até em fóruns internacionais de direitos humanos. Uma ONG em homenagem a Néris foi criada tempos depois. A punição dos responsáveis ficou longe de ser exemplar - apenas três pessoas condenadas-, mas o caso tornou-se marco no País pela luta contra a violência que atinge LGBT.
10 . Lei contra discriminação
Que tal legislação que puna até com o fechamento um local privado que discrimine LGBT? Desde 2001, essa determinação é lei no Estado de São Paulo. É vedado expulsar LGBT de um local, humilhar ou demitir alguém por não ser hétero ou cisgênero, e impedir livre expressão de afeto.
O primeiro caso de aplicação da lei é exemplar. O empresário Justo Favaretto Netto recorreu à norma e conseguiu que um homem de 27 anos de idade que o tinha xingado de "veado" e jogado nele uma lata de cerveja fosse multado em nada menos que R$ 15 mil, isso em 2008. Até em punição a gritos homofóbicos de torcidas de futebol a lei tem sido elencada como forma de condenação. Homofobia na paulicéia? Não passará!