A força negra está no corpo, na voz e nas influências de Ravih, cantor paulistano bissexual que lançou, nesta sexta-feira 20, seu primeiro clipe, Lanterna.
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O vídeo foi gravado nas proximidades de Parelheiros, bairro no extremo sul de São Paulo, onde o artista cresceu, que possui extensa área verde, zonas rurais e pouca atenção dos órgãos públicos.
E é de mazelas da sociedade - em especial as vividas pela população negra - de que fala o trabalho de Ravih, de 24 anos.
"Meu personagem chega ao paraíso dos jovens negros sem entender bem onde ele está até que encontra com sua versão mais nova, que o 'ilumina' e o faz lembrar como ele morreu: atingido por uma bala 'perdida' enquanto voltava do trabalho numa obra, referência ao caso de Joilson Pereira e tantos outros pretos que foram 'confundidos' No final do clipe, meu personagem não morre, ele já está morto e apenas revive a cena em sua memória", explica Ravih.
Joilson Pereira, de 39 anos, morreu ao ser alvejado pela Polícia Federal, no sul do Piauí, durante uma abordagem. Ele dirigia a própria moto e o caso ganhou repercussão nacional em junho.
O clipe, explica o cantor, também faz referência ao massacre de Paraisópolis. "No paraíso tem um total de nove pessoas, contando eu, as crianças e a dançarina, simbolizando os mortos do massacre de Paraisópolis. É por isso que as crianças e a menina dançam", diz.
Em dezembro de 2019, durante uma ação em um baile funk na famosa comunidade na zona sul de São Paulo, a Polícia Militar matou nove jovens e deixou uma dúzia de feridos.
Com inspiração em artistas como Tim Maia, Bruno Mars, Liniker, Criolo, David Bowie e Michael Jackson, Ravih navega entre o pop, o r&b e o soul e prepara seu EP de estreia, Distância, para dezembro.
O Guia Gay conversou com o cantor sobre negritude, violência e bissexualidade:
Como você vê a situação dos homens negros na comunidade LGBT?
Infelizmente ainda somos bastante sexualizados, vistos como acessórios de luxo e muito disso tem influência da pornografia.
Não estou dizendo que não queremos ser desejados, só não queremos ser reduzidos a meros objetos de prazer. Além do sexo, homens pretos também desejam afeto, vivenciar relacionamentos estáveis e construir famílias.
É comum bissexuais dizerem que homossexuais e principalmente mulheres héteros têm preconceito em ficar com homens bi. Você já sentiu isso?
Infelizmente sim, inclusive já cheguei esconder minha sexualidade porque percebi que a parceira não me aceitaria. Hoje jamais me submeteria a algo do tipo, mas é muito triste saber que ainda acontece e que insistem em nos ver como promíscuos, pervertidos ou indecisos.
É por isso que, além de pautar a bifobia, que é um assunto pouco discutido até dentro da comunidade LGBT, é importante a mídia dar visibilidade frequente às pessoas bissexuais que poderão ajudar a desconstruir esses estereótipos.
As pessoas negras - em especial, os homens negros - são as maiores vítimas de violência no País. Como você acha que isso pode mudar?
Vejo que o primeiro passo para uma mudança é a mídia aceitar que existe um genocídio em curso e passar a encará-lo como um problema real consequente do racismo "velado" que existe no Brasil.
É surreal que pessoas acreditem que não há racismo em um país em que um jovem preto é assassinado a cada 23 minutos. Além disso, é necessária e urgente a aprovação da PL 4471/2012, que prevê a obrigatoriedade de investigação de mortes e lesões corporais em operações policiais, uma vez que mais de 75% das pessoas mortas pela polícia são pretas.
Como você recebeu a notícia de tantas candidaturas de pessoas negras e LGBT terem conquistado a vitória nas urnas nas eleições do último domingo?
Com uma alegria imensa. Para mim foi como um fôlego de esperança em meio a um ano tão caótico! Precisamos continuar ocupando esses espaços cada vez em maior número, pois ainda somos minoria no Congresso, na Câmara e no Senado.
Ser ouvido por todos é bom, mas dividir a fala e poder contar com o apoio efetivo dos nossos é melhor ainda.