Cônsul francês sobre reforma da Praça do Arouche: identidade LGBT fica

Em entrevista ao 'Guia Gay São Paulo', Brieuc Pont rechaça críticas à renovação do local

Publicado em 25/12/2017
briecu pont frança consulado
Cônsul geral afirmou que teve de lidar com homofóbicos que são contra a reforma "para gays"

Por Welton Trindade

Há exato um ano, o então apenas prefeito eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciava que transformaria o Largo do Arouche, epicentro da área mais LGBT da cidade, em um simulacro francês, com direito a carruagem e apresentações culturais daquele país. O sinal arco-íris acendeu! A identidade de décadas do lugar estava sob risco. 

 Curta o Guia Gay São Paulo no Facebook 

Desde então, a proposta evoluiu, setores do movimento LGBT - notadamente o Coletivo Arouchianos -, despertaram para a questão, o Guia Gay São Paulo - comprometido com a cultura e identidade LGBT - fez reportagens, e a França, por meio do consulado, atuou de forma cada vez mais forte para obter financiamento à proposta. 

Mais
>>> Formada frente contra proposta de reforma do Largo do Arouche
>>> Afrancesar Largo do Arouche é burrice de Doria, diz especialista

Chega-se às portas de 2018 com um desenho já pronto da nova praça e ânimos ainda em efervescência por falta de acordos sobre como renovar o local e não o tornar excludente socialmente. 

Para ajudar nesse guerra de informações (e desinformações), o Guia Gay São Paulo entrevistou com exclusividade o cônsul-geral da França em São Paulo, Brieuc Pont.

Veja a seguir os principais pontos colocados pelo representante francês. 

O conhecimento da proposta
Ao visitarmos essa praça, percebemos que era um lugar com uma alma muito forte. Doria apresentou a praça como de vocação francófila. Lá existem um restaurante francês famoso, a Academia Paulista de Letras, o mercado de flores...

Eu também reconheci a França no lugar por ver ali uma forte comunidade LGBT. A França é um país gay friendly, gostamos da diversidade, fazemos a promoção dela, lutamos contra a discriminação. A tolerância faz parte central da nossa ação internacional. 

E é preciso deixar claro um ponto importante: nós não somos os responsáveis pelo projeto. Eu sou o intermediário entre a Prefeitura, que decide sobre projetos urbanísticos, e empresas francesas.

Sim, temos como país experiência em projetos tais como esse. O que acontece é que a França, pelo grande carinho que tem por São Paulo, acha muito positivo entregar um presente aos paulistanos. 

Um novo ambiente 
A ideia do projeto foi lançada em dezembro de 2016. De lá para cá nos cercamos de cuidados para que a mudança tenha como marca a inclusão social, com a preservação da identidade da praça. E isso é a definição do projeto. 

O que eu vejo hoje no Largo do Arouche? Vejo uma população que se considera pária. Por que ela não poderia ter direito a uma praça renovada, uma praça tão charmosa quanto hoje, mas com tecnologias novas, com recuperação de águas de chuva, energia solar, novidades? Todos têm direito a isso. 

De forma geral, a reforma tem mobiliário urbano novo, ampliação dos terraços, privilégio para pedestres e bicicletas e formas de fazer os carros andarem em velocidade menor. Queremos reforçar o turismo, e aí de forma destacada o turismo gay. 

Haverá uma identidade visual, que não é na cores da França, mas sim nas de São Paulo. Por questões orçamentárias, por ora, abandonamos as áreas kids e pets. A ideia é ter um espaço público aberto, seguro, com mais iluminação. E tudo isso sem custar para o contribuinte paulistano. 

Escuta coletiva
Friso: não cabe ao governo francês organizar o debate democrático no Brasil. Não é minha responsabilidade. Houve apresentação aberta do projeto. E, em poucos dias, foram entrevistadas 1.500 pessoas. 

Não há pior cego que aquele que não quer ver. Há pessoas que vão insistir que não ouve escuta, mas houve. 

Eu não posso imaginar que pessoas pensem que meu país se associaria a uma iniciativa de exclusão, a uma abordagem homofóbica. Ainda mais no que diz respeito a quem frequenta a praça, que são mais vulneráveis do ponto de vista social e econômico. 

E a renovação é também oportunidade que alguns moradores deixem de pensar em teses conspiracionistas gays. Sim, há isso! Acusam os gays de ter poder demais! 

O reconhecimento da cultura LGBT
Eu fui lá várias vezes falar com os frequentadores, conversa informais. E vi que havia um medo. No começo, eu achei isso muito triste já que a nossa proposta não foi nem é de exclusão social.

E temos experiência justamente em articulação, de, nesses projetos urbanos, identificar as demandas sociais. Tivemos também aqui no consulado reunião com associações LGBT que vieram explicar melhor a questão.

Passei a entender que a praça, para muitos é, na verdade, um refúgio, lugar de segurança para serem quem são. Senti ainda mais responsabilidade. 

E eles falaram que não eram os gays chiques dos Jardins, são da periferia. E vi história de pessoas que se passam por héteros para sair de casa e, finalmente, serem quem são quando chegarem no Largo do Arouche. E vi algo que é igual à nossa postura enquanto França: queremos o diálogo. 

Sim, houve empresas que saíram da proposta, ficaram um pouco preocupadas pela polêmica, que é estéril. Porque somos um país com profundo respeito à diversidade. E empresas não querem estar ligadas a uma controvérsia que, para nós, não faz sentido. 

Homofobia e politização
E alguns criticaram. "Ah, vocês reformam a praça para gays. Agora vai ter concurso de gays, por culpa de vocês. O senhor está espalhando merda na sua própria bandeira." Eu fui agredido no meu próprio consulado. Tive de pedir para se retirarem daqui. Há pessoas completamente contra o projeto. 

E vi pessoas que politizam o processo. E a França não está aqui para politizar. O que há é um projeto de renovação da praça, um processo realizado gratuitamente por uma empresa francesa, que fez um estudo sócio-demográfico.

E ali há gays, claro, mas não só. Há famílias, horta comunitária, outros moradores. A ideia é dar de presente a São Paulo lugar onde todos podem conviver, aí está o princípio da tolerância. 

Praça francesa ou LGBT
Não é absolutamente nossa intenção ocupar culturalmente a região. Na inauguração, por exemplo, a proposta é trazer ícones LGBT franceses.

O que há é uma renovação com base na filosofia francesa, que é de inclusão social e de respeito à diversidade, de convivência plural. O ponto é: queremos ajudar a reformar, mas preservando a identidade LGBT do local. 

O que haverá de francês na praça? O espírito de tolerância. 


Parceiros:Lisbon Gay Circuit Porto Gay Circuit
© Todos direitos reservados à Guiya Editora. Vedada a reprodução e/ou publicação parcial ou integral do conteúdo de qualquer área do site sem autorização.