Ao Guia Gay São Paulo ligar para o chefe da Coordenação de Políticas LGBT da prefeitura local, Alessandro Melchior, para comunicar que ele foi o escolhido como o LGBT Mais Influente da capital paulista em 2016, ele estava em meio a caixas. Melchior arrumava seus pertences para sair de férias após o fim da gestão Fernando Haddad (PT). "Vai para onde?", perguntamos. "Pensarei depois de descansar", respondeu.
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Portanto, é possível que São Paulo já não tenha em 2017 quem tanto construiu no ano que acaba. Sob sua gestão esteve o maior orçamento do Brasil (até mesmo em comparação ao federal) para ações pela cidadania arco-íris.
E muito se fez! Casa de acolhida para travestis e transexuais, o programa Transcidadania - de bolsas de estudos para pessoas trans -, centros de cidadania espalhados pela cidade, unidades móveis de atendimento... Uma revolução arco-íris foi capitaneada pelo estudante de Direito e de apenas 29 anos.
Nascido em São José do Rio Preto (SP) e vindo de Brasília para assumir justamente a coordenação LGBT, Melchior, em pouco mais de dois anos, escreveu seu nome na história LGBT da cidade. Ela com o lema "Non Ducor Duco". Ele com a certeza de ter "Veni, vidi, vici".
Como é receber o título de LGBT Mais Influente de São Paulo em 2016?
Algo incrível, claro! É um reconhecimento e tanto do trabalho que fiz. Tenho certeza de ter sido algo de impacto. Por exemplo, na questão da parada LGBT, eu me empenhei pessoalmente para construir um novo modelo de apoio ao evento.
Entretanto, o destaque maior, claro, diz respeito às políticas públicas que implementamos, elas impactaram e mudaram muitas vidas. O objetivo sempre foi tornar São Paulo mais acolhedora para os e as LGBT. Nesse sentido, o título não é um reconhecimento individual apenas, mas também de uma atuação.
Como você avalia, de forma geral, o ano de 2016 para os e as LGBTs em São Paulo, levando em conta ativismo, entretenimento, mobilização social, cidadania?
Foi um ano muito difícil. O conservadorismo que já era aliado de Dilma Roussef (PT) ganhou ainda mais espaço no golpe que levou Michel Temer (PMDB) à Presidência. Isso já sinalizava momentos difíceis para o Brasil, algo que vêm se confirmando ao longo dos últimos meses.
Em São Paulo, por outro lado, diversas novas manifestações têm mostrado o protagonismo do ativismo LGBT, ainda muito individual, contudo, com ações dispersas e pouco organizadas coletivamente.
No ativismo, ganha espaço, ao lado da atuação individual, que eu vejo como um problema, o fortalecimento dos discursos identitários, também uma dificuldade. São Paulo sempre teve um protagonismo no movimento LGBT brasileiro, creio que há um risco de perda da importância do ativismo em São Paulo por conta desses fatores.
O identitarismo levado ao extremo fragiliza o foco em desafios mais amplos e menos restritos às especificidades de cada segmento. As lutas políticas e sociais mostram que quanto maior a amplitude, maior a capacidade de convencimento e de avanços sociais, o que fizemos em São Paulo é prova disso, como uma política LGBT construída no âmbito de uma política de direitos humanos na cidade e de uma nova agenda de democratização dos espaços públicos e mudança da cultura na relação das pessoas com as outras e com o espaço urbano.
Você destacaria que exemplos de ações nas quais você utilizou sua influência ao longo de 2016?
Nós temos a política LGBT com mais serviços e mais investimento da América do Sul, isso é resultado do trabalho do coordenador anterior, Julian Rodrigues, da nossa equipe, do compromisso dos secretários que passaram pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, mas também de muita dedicação pessoal. Houve um enfrentamento com uma concepção antiga da política de Assistência Social que hoje resulta no primeiro centro de acolhida exclusivo para trans em situação de rua do país.
Recentemente uma tentativa de fechamento do Ibirapuera aos sábados à noite por conta da frequência LGBT nos levou a um embate com a segurança do parque, que levou a pior, ou seja, não permitimos que o preconceito vencesse mais uma queda de braço.
Nosso orçamento, o maior do Brasil para essa política, também é fruto de uma dedicação pessoal, de diálogo permanente com a Câmara Municipal, em especial nos momentos de tramitação da legislação orçamentária.
Principalmente, a política LGBT de São Paulo fez a transição de uma política de entretenimento e visibilidade para uma política essencialmente social, com prioridade objetiva para ajudar quem mais sofre as consequências da discriminação. Não fruto de uma influência pessoal direta, mas de um trabalho que nós coordenamos, mas talvez o legado mais importante que deixamos é uma percepção na consciência política de São Paulo de que investir em direitos LGBT é positivo pra toda a cidade.
Ao contrário de 2012, essa eleição não foi marcada pelo ataque aos direitos LGBT. Todas as candidaturas, ou defenderam essa agenda ou se silenciaram. Em quase todo o Brasil não foi assim. Aqui o diferencial é que mostramos que é possível fazer essas políticas e fazer isso de maneira a convencer a sociedade e a opinião pública da importância delas. O reconhecimento e sermos parte da Rainbow Cities Network é exemplo disso. O que fizemos vai ficar e dificilmente haverá retrocessos nisso.