Bob Yang e Cacá Ribeiro: a festa sempre vencerá a tecnologia

À frente do Yacht, Ultralions e Jerome, dupla são provas e agentes de mudanças na noite gay paulistana

Publicado em 26/11/2018
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Cacá Ribeiro e Bob Yang: gays são mais exigentes e camarotes viraram coisa cafona

Por Welton Trindade

No celular, delivery de restaurantes. No serviço de streaming, séries e mais séries. No app, crushes. Tudo bem século 21! E tudo para você não sair do casulo! E aí, será que isso vai acabar com algo que, antropólogos mais alegres atestarão, deve ter delineado os homo sapiens sapiens? Linguagem?! Que nada! Estamos falando de festa!

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A entrevista ao Guia Gay São Paulo foi dada por duas vozes. Mas ao responderem a essa pergunta, o que veio foi um coro integrado por Bob Yang e Cacá Ribeiro, dois dos principais nomes da cena noturna gay de São Paulo.

"As pessoas precisam de pessoas! Fazer uma festa em casa nunca vai ter a mesma atmosfera escapista de um clube. Escapista, hedonista, onde você pode mostrar seu corpo, sua roupa, sua atitude... E não é para encontrar amigos somente. É para encontrar desconhecidos! Isso nunca vai morrer! É maior que qualquer app!"

Dois que funcionam muito bem como um. As provas - além do coro - são os oito anos em que eles têm se somado para lhe dar motivos para sair de casa e deixar a maratona no sofá rolar mais idealmente como remédio para ressaca.

Essa simbiose iluminada por globos espelhados começou em 2010, rememora Cacá. "Com o Facundo Guerra, abri o Lions, que logo começou a bombar de terça a quinta e sábado, para héteros. Sexta não. Ai o Bob começou a frequentar às sextas e nos fez a proposta de fazer a Ultralions, para gays. Eu fiquei relutante, mas foi um sucesso imediato. Na verdade, desde a primeira noite. Bombou loucamente. E aí foi toda semana sem parar..."

Antes desse casamento criativo e profissional, cada um veio de outros carnavais... Melhor: outras boates, baladas e agitos. O primeiro empreendimento de Cacá foi o Royal Club, com Marcos Buaiz. E lá se vão 15 anos. Bob fará duas décadas na noite em 2019. Foi dele um dos marcos da cena gay paulistana: o Ultralounge.

Lions Nightclub: balada hétero tem festas gays sempre às sextas
No coração da cidade, o sofisticado Lions se torna gay todas as sextas-feiras 

O sucesso comprovado no Lions foi a motivação e a prova de que poderiam fazer mais. E fizeram.

O Yatch nasceu da necessidade de espaço mesmo, de mercado que acharam que poderiam explorar mais. "O Lions tem programação dirigida predominantemente para o público hétero com a sexta gay. E víamos que não eram só aqueles gays da sexta que havia em São Paulo (risos). Tinha mais gente e mais dias da semana para o pessoal se divertir", explicam.

Os detalhes (e voltaremos a falar sobre isso) para a nova casa foram pensados sem preguiça. Local, proposta, distância, decoração... Tudo foi posto e debatido, lembra Cacá.

"A gente sempre conversou sobre ter uma boate grande perto de onde as pessoas moram para que não fosse preciso se deslocar tanto. A gente queria então algo nas franjas dos Jardins. Algo como você estar na Avenida Paulista, andar um pouco e chegar. Enfim, fui procurar. Era um galpãozinho onde tinha sido uma igreja evangélica". Que bela sensação de virada de jogo, não?

E mais: "E tínhamos o desejo de fazer algo meio navy. Ficamos meses debatendo o nome, mas antes disso veio a ideia de algo meios anos 1970, algo meio Querelle, Jean-Paul Gaultier... E o arquiteto conseguiu pegar tudo o que eu, o Bob e o Facundo pensávamos. Ele combinou tudo e todos saímos satisfeitos."

O pop ensina
Com os homens ao mar, melhor, à pista, o aprendizado veio a cada noite. Enquanto alguns usam a metáfora de que trocam a roda com o carro andando, Bob e Cacá se adequam mais a utilizar a metáfora de que dançaram conforme a música. No caso, a música que o público queria.

"O Yatch não nasceu pop, o que o tanto caracteriza há um tempo", explica Cacá. "A gente demorou um pouquinho para entender, uns seis meses, o que seria ideal. Eu sempre sou alternativo. A gente não queria competir com nossas noites de sexta, que era meio pop. Então o Yatch começou com a música um pouco mais progressiva. O que acontecia? As pessoas iam embora do clube às 3h. A gente queria morrer! (risos). Ficou evidente que a música não 'ornava'. Na semana que resolvemos mudar e colocar pop, acabou a fila para ir embora cedo."

Bob arremata o tiro certeiro e em sintonia com os tempos novos que chegavam: "Foi mais ou menos quando realmente instalou-se no meio gay a força da música pop".

Yacht Club de Bob Yang e Cacá Ribeiro
Yacht consagrou-se na Bela Vista ao apostar na música pop 

Mais um fruto
Eis que um quarto homem surgiu... Seu nome é Jerome. No caso, está-se falando do clube em Higienópolis que acaba de completar dois anos. A concepção é digna mesmo de uma gestação.

"E o Jerome é um personagem. Quem é ele? É um cara que já transou com uma menina, ninguém sabe se ele é gay ou não é, viaja muito, gosta de tirar foto, já pegou onda, morou em Paris... Na verdade, o Jerome sou eu. O alter ego do Cacá. Há quadrozinhos da minha casa, fotos antigas... E para fazer tudo isso, eu chamei o cenógrafo e fotógrafo Felipe Morozini."

Esse clima de casa do amigo fervido não é por acaso. Os três sócios queriam mesmo um lugar mais "doméstico".

"Aquele mesmo sentimento que tivemos ao abrir o Yacht, o de que faltava espaço para contemplar outro tipo de música, veio como motivação para criarmos o Jerome. Com um ambiente diferente do que estava sendo oferecido", diz Bob, que é complementado por Cacá.

"Eu, desde os anos 1980, sempre frequentei muito a noite. E eu sempre gostei de clubes pequenos. É mais intimista. Você conhece todo mundo... Enfim, o conceito mesmo de clube, em que podemos atender de forma mais pessoal o cliente. E é também a perceção que algo vem mudando na noite de São Paulo. Durante três ou quatro anos, a gente amargou muito a concorrência das grandes festas com os clubes. Mas começamos a perceber que havia muitas pessoas que gostariam de curtir a noite em um ambiente um pouco mais confortável."

Outro ponto da entrevista. A pergunta foi essa: "E como é empreender para gays? Há diferenças mesmo em relação a fazer algo para héteros ou é só lenda?".

Caca deu a resposta: "É pura verdade. A abordagem tem de ser diferente, o treinamento e a prestação do serviço têm de ser distintos. Gays são mais exigentes com detalhes. Menos encrenqueiros, menos brigões, mas exigentes com outro tipo de coisa. Menos tolerantes com fila, querem qualidade alta do som, a temperatura..."

Mesmo com essa distinção, a pluralidade é que tem feito eco, como explicita a fala de Bob. "Apesar daquelas características de público, o essencial mesmo é você ter uma equipe que não faça diferença alguma no atendimento de quem quer seja: o hétero, o gay, o magro, o gordo, tudo! E isso não é fácil fazer. Por exemplo: equipe de segurança. Esses profissionais estão acostumados, até culturalmente, a ter um procedimento que não é o que queremos em nossas casas."

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A cafonice do camarote
A mudança para manter o sucesso e a capacidade de envolver as pessoas é outra tônica, deixa patente Cacá. "Vou além! Nunca cobramos preço diferente de homens e mulheres. Mas já tivemos algumas restrições com detalhes como tipo de roupa, regata, sapato, chinelo... Mas o mundo mudou. E a gente não tem mais esse papel de educar ou de filtrar. Quem pode dizer se uma sandália é ou não bonita? Como impedir regata em uma cidade com calor como São Paulo?".

O papo chega à conclusão de que algo de revolucionário esteja em processo de transmutação entre um drink, um groove e uma pegação e outra. "Antigamente, a noite girava muito em torno da palavra 'exclusivo'. E hoje a gente trabalha com a palavra "inclusivo", diagnotisca Bob.

Cacá mostra como isso é tangebilizado. "A gente está desmontando o camarote no Jerome. Camarote virou cafonice. Queremos desconfigurar esse degrau que separa as pessoas. E é algo que tem mudado para todos. A gente mesmo quando chegava nos lugares, nós queríamos um cercadinho... E o nosso público também gostava dessa pompa. Mas hoje em dia não ligamos mais para isso."

O papo de tecnologia volta. Sistemas de comandas dão conta da média de horas que um cliente fica na casa, o que consumiu, o quanto gastou ou deixou de gastar. Planilhas e planilhas dariam base bem generosa para eles entenderem a cabeça de quem vai se divertir nos empreendimentos deles.

Agora você pergunta: e eles se satisfazem em ver os números, cruzamentos e gráficos?

"Não mesmo. Essa análise fria de números, tabelas não basta para saber se o público está gostando. Precisa ter algo subjetivo nosso, estarmos lá, vermos a noite acontecendo. Computadores nunca vão compensar o trabalho de um promoter, uma assessora de imprensa etc. Das pessoas", dizem.

Pelo visto, não tem jeito: nenhum big data causará tanto arrepio quanto um super rolê!


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