Por Marcio Claesen
Dois temas bastante sensíveis se justapõem no novo longa de Anna Muylaert, Mãe Só Há Uma, que chega aos cinemas da capital na próxima quinta-feira 21.
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A diretora, que vem do bem-sucedido Que Horas Ela Volta? (2015), no qual discutia desigualdades sociais brasileiras, agora baseia-se em uma história real, com grande repercussão na mídia: a do menino Pedrinho, sequestrado em uma maternidade de Brasília em 1986 e encontrado pela mãe biológica em 2002.
No drama de Anna, o adolescente roubado se chama Pierre (Naomi Nero) e além de enfrentar a verdade dolorida de uma nova família que ele não pediu para conhecer, tem de lidar com a descoberta de uma nova identidade de gênero.
Questões complexas demais que transformariam uma trama como essa em um show de situações-limite, embates, gritos e trilha sonora exagerada nas mãos de muitos, aqui caminham suavemente com uma direção competente e que faz escolhas acertadas.
Uma delas é no elenco. A opção ousada de colocar Dani Nefussi para interpretar as duas mães (Aracy, a falsa, e Glória, a verdadeira) de Pierre/Felipe só poderia ter sido feita por alguém, como Anna, com muito tato para extrair, de atores que possuem muitos recursos, nuances e detalhes sofisticados. Obviamente, à atriz também lhe cabe parte do mérito.
Matheus Nachtergaele, o nome mais conhecido do elenco, imprime dor e frustração no pai (também Matheus no filme) com tendências homofóbicas, e que sofre no momento em que mais deveria sorrir, o de encontrar o filho roubado 17 anos atrás.
Entre o experimento de um batom com o banheiro trancado e uma saída com amigos vestindo calcinha por baixo do jeans, Pierre vivencia o que seu íntimo lhe pede. Nesta fase de descobertas, ser confrontado pela cobranças de novos pais, só o faz aderir ainda mais à atitude típica de um adolescente, o enfrentamento. As rusgas são inevitáveis e Nero conduz bem o personagem, com o bônus de sua deliciosa beleza andrógina.
A diretora abre portas generosas para as discussões e o longa passa tão rápido que desperta o desejo de uma continuação para sabermos mais do caminho de Pierre, o ampararmos nos momentos de dores e dividirmos suas conquistas.