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Filósofa, professora e trans, Gabriela Perini quer ser vereadora

Educadora tem experiência em cursinhos populares e ajudá-los é uma de suas bandeiras

Publicado em 14/10/2020
Gabriela Perini: transexual é candidata a vereadora pelo PDT em São Paulo
Gabriela é candidata pelo PDT, partido com base no trabalhismo

Formada em Filosofia e atuamente cursando Ciências Atuariais na Universidade de São Paulo (USP), Gabriela Perini é candidata a vereadora na capital paulista pelo PDT.

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Mulher transexual, Gabriela já deu aulas para adolescentes em colégio particular e é professora voluntária em curso pré-vestibular para estudantes de baixa renda. Ela conta que nunca sofreu preconceito dos jovens por sua identidade de gênero, mas sabe que é ponto fora da curva.

Gabriela escolheu a educação popular como forma de contribuir para a sociedade e acredita que na Câmara Municipal pode fazer muito mais.

Em entrevista ao Guia Gay São Paulo, a candidata, que tem 26 anos, falou sobre a correção do piso salarial, cadastro de cursinhos populares e da importância de proposta de empregabilidade da comunidade LGBT. 

O Brasil é um dos países mais avançados do mundo em direitos LGBT. E São Paulo é a cidade do Brasil com mais serviços sociais para o segmento no País. Em que acha que seu mandato pode contribuir para a cidadania arco-íris?
Como educadora, entendo que nenhuma política pública estará completa sem transformar a vida escolar. É na escola que muitas pessoas LGBT conhecem pela primeira vez a dolorosa experiência da exclusão e, certas vezes, com conivência da direção escolar.

Pelas minhas experiências durante a licenciatura, estágios e trabalho voluntário em escolas, entendi que boa parte da qualidade de vida escolar é reflexo direto da qualidade do trabalho da equipe pedagógica.

Minha proposta principal para nossa cidadania é a inclusão de psicólogos na escola para atendimento das crianças e famílias. Essa é uma política que contribui para toda a sociedade, mas, principalmente, para as pessoas marginalizadas que mais sofrem com o bullying e menos encontram representação e cura na sociedade.

Por pior que seja o ambiente escolar para essas pessoas, o ambiente do consultório psicológico é onde tudo é permitido ser discutido sem tabus. é um ambiente restaurativo e preventivo.

Um ambiente religioso também pode oferecer essa experiência. Eu mesma devo muito ao meu amadurecimento às experiências no candomblé e umbanda. Mas, claro, nem todas as pessoas se sentem acolhidas por esta ou aquela religião.

O consultório psicológico, pelo contrário, é capaz de acolher qualquer indivíduo. Em época de avanço do fundamentalismo religioso, entendo que essa é uma proposta essencial para a manutenção do Estado laico.

Quem votar em você vai ajudar a eleger pessoas do PDT. Qual o compromisso do partido com a pauta LGBT?
O PDT é um partido trabalhista. Entendemos, em resumo, que o trabalho é a relação fundamental da sociedade. é através do trabalho que opressão e justiça se consolida no mundo. Entendemos que as pessoas LGBT hoje permanecem excluídas da sociedade através da exclusão do mercado ou através da desvalorização de suas atividades. O telemarketing é um dos maiores símbolos desse processo.

O PDT quer melhorar as condições de trabalho. Quero criar o cadastro Empresa Amiga da Diversidade, baseado na iniciativa Transempregos, no qual o município direcionará as vagas de trabalho das empresas cadastradas para suas instituições de acolhimento LGBT.

Assim, a pessoa acolhida pode se preparar para entrevistas com a tranquilidade de nao sofrer humilhação, além de tomar conhecimento desse movimento de inclusão cada vez maior nas empresas privadas.

Fora da questão LGBT, quais suas três principais propostas a população de São Paulo?
Proponho a valorização do salário na cidade. No estado de São Paulo, existe o piso salarial, maior que o salário mínimo, mas ele não tem política de valorização e depende da vontade do prefeito. Quero que o piso salarial municipal seja corrigido conforme a soma do PIB e da inflação na cidade. Isso com certeza impacta positivamente toda a população.

Também quero criar o cadastro de cursinhos populares. Recentemente o [prefeito de São Paulo] Bruno Covas vetou o passe livre estudantil para estudantes de cursinhos populares com a justificativa de que não havia controle de matrículas.

Com meu cadastro, os cursinhos poderão registrar junto ao município as suas atividades de forma simplificada, sem necessidade de criação de associação civil com perfil jurídico, algo que muitos cursinhos não querem fazer por conta da burocracia e dos custos. Assim, o cursinho pode trabalhar com a prefeitura uma maneira de padronizar formulários de matrícula e de presença.

A cidade não ganha somente com um avanço na política de transportes, mas também na educação. Eu dei aulas para muitos alunos que iam nos cursinhos para complementar a educação tradicional do ensino médio. A cidade pode valorizar mais ainda a educação pública através de incentivos fiscais para quem patrocinar estudantes das escolas municipais que participarem das olimpíadas de ciências.

Existem diversas olimpíadas, a mais famosa é a de matemática, e precisamos valorizar quem representa nossa cidade e nosso país nas olimpíadas internacionais. Essas pessoas deveriam se tornar os influencers dos jovens, aparecer em propagandas ou, pelo menos, ter condições financeiras de se dedicarem aos estudos, preparo e viagem para as competições.

Você é relativamente jovem e não tem experiência destacada em política. Que contribuição acha que você tem a dar na Câmara dos Vereadores?
Primeiro, tenho boa formação. Concluí o bacharelado e licenciatura em Filosofia. Aprendi muito sobre política, educação e psicanálise nesse processo. A partir daí entendi a importância da diversidade nao só sexual e de gênero, mas de culturas, histórias, trajetórias. Entendi que o papel do Estado que se pretende democrático deve garantir a fruição dessa diversidade, da riqueza que oferece uma cidade cosmopolita como São Paulo. Isso se faz através da valorização do ser humano.

Foi isso que encontrei também nos cursinhos populares onde dei aulas. Ali muitos sonhos se construíram a partir do ingresso na universidade, muitas mulheres puderam falar publicamente sobre suas vivências e desafiar visões machistas da sociedade, eu mesma marquei muitas pessoas, meramente por ser uma pessoa trans na respeitada posição de professora.

Mas infelizmente muitos sonhos se perderam porque a rotina do cursinho popular é exaustiva. Muitos alunos trabalharam a semana inteira e estão cansados demais para continuar os estudos, outros não têm dinheiro para o deslocamento. E inadmissível que esses sejam motivos para uma pessoa não continuar a estudar e conhecer quantas coisas fantásticas a humanidade conquistou através das artes e das ciências. Quantas mentes geniais não perdemos com essa exclusão?

Seu histórico de vida, pelo que relata, é repleto de preconceito por ser uma pessoa trans, com acusação até de ter abusado de menor de idade. Qual a importância que vê em existir uma vereadora trans?
Como professora, eu causei muito impacto. Sempre digo aos alunos respeitarem meu gênero e me esforço bastante para dar a melhor aula da vida deles. Então pra quem está na aula em busca da universidade, sou uma pessoa que colabora com esse futuro, que ouve, discute, concorda, discorda e, claro, compartilha sentimentos. Muitos preconceitos se dissolvem e a coisa toda se torna mais natural.

Espero que ocorra o mesmo conforme eu me torne uma figura pública. Eventualmente uma pergunta dessa não fará sentido, porque uma pessoa trans será somente mais uma pessoa vivendo sua vida, atrás de seus sonhos.

AVISO: Esta entrevista faz parte de projeto do Guia Gay São Paulo de entrevistar todos os candidatos LGBT à Câmara Municipal de São Paulo.

Todas as candidaturas recebem três perguntas iguais e duas específicas, que podem coincidir ou não, a depender dos partidos e dos perfis das pessoas pleiteantes.

Acompanhe todas as entrevistas e reportagens sobre as eleições na editoria Eleições 2020 clicando aqui.


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