Em um ano turbulento por conta da pandemia do novo coronavírus, que resultou no fechamento de milhares de estabalecimentos na cidade, é de se louvar quem conseguiu ficar em pé.
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Força e garra talvez tenham sido determinantes para que o Antiquário Café, aberto em março de 2019, persista como opção para LGBT e a maior responsável é sua proprietária: Ana Paula Tavares.
Mulher trans, formada em design de interiores e com experiência na área de restauração de obras de arte e antiguidades há mais de uma década, Ana Paula contou ao Guia Gay São Paulo que a abertura do espaço, na Aclimação, era ideia antiga.
"Faz uns cinco anos que comecei a pensar em ter um antiquário, fazer meu atelier de restauração aberto ao público para as pessoas verem, para montar um espaço de convivência", explica.
Ana Paula diz que, no princípio, esperava ajuda dos namorados para abrir o empreendimento, mas mudou de ideia.
"Passei por namoros - e até um casamento - abusivos, e me toquei que não ia ter homem que me ajudasse a fazer isso. Foi quando eu, sozinha, criei coragem, me dediquei e vim atrás de fazer esse espaço."
Antiquários sempre estiveram na rotina de Ana Paula. Ela lembra que por meio de amigos foi conquistando cada vez mais clientes, que lhe pediam peças únicas para que pudessem presentear.
"Porque tem pessoas que já têm de tudo e, então, os clientes me davam essa função de buscar em antiquários peças inusitadas, diferentes, que tinham a ver com quem eles queriam presentear. Eu ia a muitos antiquários de São Paulo, encontrava as peças, as restaurava, entregava para as pessoas e elas as davam de presente."
"Visitando muitos antiquários, eu vi que havia coisas que eu não gostava: eram muito empoeirados, mal catalogados e com atendimento mediano. As pessoas não sabiam a história da peça, tinham muitas peças quebradas, enfim... Eu sentia carência de chegar, tomar um café, ser bem acolhida, eu poder pegar em peças que são limpas. Eu saía com as mãos pretas de sujeira e não tinha sequer uma pia para lavá-las", relembra, aos risos.
"Eu pensei comigo 'faz tanta falta um antiquário que possa receber melhor as pessoas'. E falei 'um dia eu vou querer ter um antiquário onde as pessoas possam sentar, tomar um café, possam saber um pouco da história do local, da história da peça, e se sintam à vontade'. E foi assim."
Para e com LGBT
A chegada da pandemia abalou os ânimos. "Entrei em desespero porque era meu sonho. Foi um baque muito grande", diz. No período em que ficou com as portas fechadas, a empresária conta que aproveitou para recatalogar as peças, cuidar do jardim e "ocupar a cabeça".
O retornou teve mudanças. Ana Paula conta que no começo fez questão de só empregar homens trans e teve ajuda de vários amigos gays e da comunidade LGBT em geral. Porém, com a pandemia e a crise, o estabelecimento reabriu com funcionárias mulheres, todas cisgênero.
Mais uma vez a comunidade lhe abraçou. Ana Paula revela que seu negócio sobreviveu graças a duas vaquinhas on-line, que foram incentivadas por dois amigos.
"Se não fossem as vaquinhas, eu não teria conseguido reabastecer meu estoque, pagar meus funcionários nem contratar os novos."
O local, um casa ampla construída na década de 1950, é frequentado não só pela comunidade LGBT, mas também por pessoas que marcam ali reuniões de trabalho e grupos variados de amigos.
"Todo mundo prefere a área externa - principalmente após a pandemia. Tem muitas pessoas que estão enjoadas de trabalhar em casa e trazem seu laptop e vêm trabalhar aqui, no nosso jardim. Além de comemorações, como aniversários, casamentos, lançamentos de coleções de roupa, exposição de quadros, é um lugar bem eclético que acolhe todo mundo."
Do cardápio, Ana Paula ressalta as opções veganas e os frios como os mais procurados dentre os petiscos. Das bebidas, fazem sucesso a sangria e os vinhos - ela possui adega, com opções de vários tipos.
Força trans
Fortalezense e há 15 anos na capital paulista, a empresária diz que sempre teve apoio da mãe em tudo. Sua transição de gênero foi tranquila e abraçada por ela e pelos irmãos - o pai faleceu quando Ana Paula tinha 11 anos.
A empresária sabe que essa não é a realidade de todos, mas vê avanços na sociedade. "Tem muito a ser trabalhado, principalmente na educação, que é onde se desmistifica muita coisa. Na mídia, nos anos 1990, 2000, pessoas trans eram retratadas somente como marginalizadas, pessoas sem nenhum tipo de sucesso na vida."
"Espero que as pessoas entendam melhor sobre a vida de transexuais, que diminua o índice de mortes causadas pela transfobia", deseja Ana Paula.
Sua própria vida é exemplo de conquistas e ela se emociona ao lembrar da sua trajetória. "O espaço começou pequenininho, eu abri só com uma portinha, poucas peças, e hoje já é um espaço grande, com muitas peças, um público grande."
"Eu estou muito feliz, porque eu realizei meu sonho. Sei que isso é muito difícil para muitas pessoas, mais difícil ainda pras pessoas trans. E fico feliz porque não é todo mundo que consegue realizar e poder compartilhar com outras pessoas o seu sonho."
