Por Marcio Claesen
Dentre os subgrupos da cultura gay no Brasil, um dos que mais se expandem, certamente, é o dos leathers e fetichistas em geral. Em São Paulo, em especial, há dez anos era raro topar com alguém em chats ou baladas que assumisse suas preferências pelo couro ou BDSM. Hoje a coisa mudou e Dom Barbudo é um dos responsáveis por essa visibilidade.
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Famoso nas redes sociais e em seu blog (dombarbudo.com), esse amante do couro teve a paixão e a dedicação coroadas pelo título de Mr. Leather Brasil, tradicional concurso realizado em várias partes do mundo que este ano ganhou sua primeira versão nacional organizado pela Eagle São Paulo e dentro da festa Leather Night. Com passagem aérea paga pelo aplicativo Hornet, ele vai representar o Brasil em concurso internacional.
Ao Guia Gay São Paulo, Dom Barbudo falou dos primórdios da cena leather paulistana, traçou planos para seu "reinado" - que inclui criar um ambiente receptivo aos iniciantes no couro - e revelou de onde veio a jaqueta de couro usada no dia da vitória no concurso.
Há quanto tempo você está no universo leather?
O meu primeiro contato foi em 1º de janeiro de 2000. Eu me lembro muito bem, pois foi em uma viagem que fiz com o meu namorado para Toronto (Canadá) para a virada do ano 2000. Conheci os homens vestidos de couro quase que por acaso, quando entramos acidentalmente em um bar em que a temática era couro. Até então, pensava que não existiam pessoas que sentiam os mesmos fetiches que eu - vale lembrar que nesta época, a internet não era para todos e os poucos filmes que abordavam o assunto ainda não deixavam claro que este era um estilo de vida.
Foi paixão à primeira vista; depois de lá, o interesse só aumentou. Claro que tenho referências de uma época anterior, como todos os outros que gostam desse fetiche, ou seja: motoqueiros, jaquetas de couro, policiais com roupas de couro, botas de montaria etc... Mas tenho este momento do bar como o início da minha vida leather.
Você sabe dizer quantos itens você tem de couro? Que tipos de roupas e acessórios você tem?
Se eu contar apenas o vestuário, tenho 4 jaquetas, 3 calças, 2 quepes, 3 harness, jocks, chaps, 2 pares de luvas, uma preta e outra vermelha, 4 coletes, uma gravata, uma camisa e acessórios como cintos, braceletes, suspensórios e outros itens. Mas, o mais importante dos itens, deixo para contar agora, é a jaqueta que estava usando no dia em que ganhei o Mr. Leather Brasil.
Ela data de 1970 e era do meu tio, da época em que era motoqueiro e chegava em casa com ela toda surrada, às vezes molhada ou fedida, esta, sim, era uma das grandes inspirações para a masturbação. Anos depois, sumi com ela e me apoderei, ficou guardada comigo durante vários anos e não sabia o motivo, era quase instintivo. Agora, eu sei! E fiz questão, apesar de gasta, puída e muito detonada, de usá-la neste que foi um dos momentos mais especiais da minha vida, afinal foi com ela que tudo começou. Tenho também muitos acessórios que uso nas sessões de dominação, como algemas, coleiras, máscaras, guias, floggers e até um saco de couro para imobilização.
Como você vê a cena leather em SP e tem conhecimento do restante do Brasil?
A cena leather de São Paulo evoluiu muito. Lembro-me de uma época, lá no início de tudo, em que éramos poucas pessoas que se dispunham a batalhar por um espaço e, quando falo em poucas pessoas, estamos falando de três ou quatro pessoas em uma festa bastante divulgada. Um cara que merece destaque é o Carlos Notari, um dos idealizadores da festa Leather Night, que, aliás, este ano, completa 13 anos de persistência.
Nesta época, o leather era o tabu dos tabus. Lembro-me de que as pessoas nos olhavam e riam das roupas e do comportamento. Mas, claro, havia outras que admiravam também, chegavam perto e tocavam, beijavam e, bem, o resto você já deve imaginar. Sei que existem festas isoladas pelo país, como em Recife, Belo Horizonte, Goiânia etc... mas, muitas delas são sempre patrocinadas e idealizadas por "heróis", homens que são os precursores, como um dia fomos e, aliás, continuamos sendo pois São Paulo é vanguarda neste assunto.
De forma geral, como você vê que as pessoas iniciam no mundo leather? Há receio, curiosidade ou nem imaginam que exista esse universo?
Atualmente o acesso à informação é mais facilitado, mas, mesmo assim, eu me deparo com pessoas que ainda acham que ser um leatherman é algo como uma fantasia de carnaval; já fui ofendido dessa forma, mas não podemos esmorecer. A cultura leather está se expandido em nosso país. É certo que adotamos regras, comportamentos e normas de fora, afinal, é comum que se replique um exemplo bem sucedido, mas também estamos criando uma identidade, uma linguagem brasileira que nos cabe. Em breve, seremos mais conhecidos, mais aceitos e, quem sabe, aquele iniciante ou curioso tenha maiores condições de aprendizado e inserção nessa cultura que é tão rica e tesuda.
Qual a sensação de ter ganho o concurso?
Puxa, sabe a sensação de ter conquistado uma das coisas mais importantes na sua vida? Ao longo da vida, os interesses e as buscas mudam, graças a Deus e ao meu empenho, já conquistei muitos títulos e sempre batalhei pelas coisas em que acredito. Desde o início, via os caras que ganhavam esse título, claro que todos de fora do país, e me imaginava no lugar deles, mas, ao mesmo tempo, achava inatingível, só pelo motivo desta cultura ser ainda iniciante em nosso país.
Sou do tipo intenso e quem me conhece sabe disso; quando acredito em algo, me atiro de cabeça, não tenho meio termo, realmente me entrego e me dedico e assim tem sido há anos, na divulgação da cultura leather, das práticas do BDSM e do meu estilo de vida. Eu realmente vivo isso tudo. Tenho um site com mais de 500 mil visitas, com mais de 285 homens que iniciei nas práticas do BDSM e com cinco perfis do Facebook excluídos, ou seja, estou envolvido até a raiz do cabelo, (que não tenho. rs!). Então, ter ganho esse título foi o reconhecimento dos meus pares, dos amigos e da comunidade pelo meu empenho até hoje. Ainda estou muito feliz, é algo de que não esqueço, penso nisto diariamente.
Você irá a Chicago. Qual a sua estratégia para ganhar o Mister Leather International?
A principal estratégia é continuar sendo autêntico. Alguns candidatos estão me escrevendo pelo Facebook, a partir de um grupo exclusivo para os candidatos e organizadores do evento e muitos deles mandaram mensagens cumprimentando-nos pelo Brasil estar, este ano, dentre os concorrentes, ou seja, existe um encantamento com o nosso país. Pretendo divulgar a nossa história, o quanto lutamos para chegar aqui e conquistar o sentimento deles, demonstrando que o título nos é muito importante para servir de exemplo para as próximas gerações e que esta referência pode colocar o Brasil em outro patamar de interesse pelos apaixonados pelo tema. Carregar o título é uma responsabilidade muito grande e quero me utilizar também da experiência, do conhecimento e da simpatia brasileira para conquistar os jurados e a plateia.
E como você pretende contribuir para a expansão da cultura leather no Brasil?
Desde o início da minha candidatura, venho divulgando que tenho interesse na expansão da cultura. Quero, primeiramente, buscar parceiros e patrocinadores para criarmos um grupo de apoio e suporte, pois, na essência, não acredito que se consiga tudo sozinho. Pretendo ser um multiplicador, um líder, um exemplo, mas existem questões práticas, como a falta de espaço para reuniões, patrocínio financeiro e até mesmo a carência de programadores para a arte de convites, flyers, produtores de conhecimento, enfim, é uma gama de pessoas que quero buscar para, daí sim, juntos, criarmos uma rotina de atividades que se estenderá durante o ano, como cursos, palestras, workshops, rodas de diálogo, apresentações, jantares, festas, enfim, tudo o que seja válido para nos juntarmos e aumentarmos a quantidade de adeptos.
E, assim, mais fortes e juntos, conseguiremos diminuir os tabus e aumentar a aceitação, criar um campo fértil, saudável e seguro para que aquele cara novato, iniciante ou curioso sinta-se protegido e aceito para ser quem deseja ser e possa viver feliz com seus fetiches e tesões. Agradeço imensamente pelo espaço e pelo convite para a entrevista. E, para quem quiser manter contato, procure pela minha página no Facebook que é Mr Leather Brasil 2017.